Post 7189 - Desafio de Escrita 6/10 Tenho de ir

“Tenho de ir”. Era o que invariavelmente respondia quando tentava conversar com ele mais seriamente. Entretanto, os encontros espaçavam e minguavam em duração.

Olho para trás e não percebo como é que isto me sucedeu.

Queria viver um grande amor, nunca quis, nem pensei que viria a ser a outra.

Quando nos conhecemos não sabia que ele era casado. Deveria ter desconfiado. Já então nele havia uma pressa invulgar, embora não como depois.

Quando me contou disse-me também que estavam em vias de divorciar-se. Apenas pelos filhos se mantinham juntos.

Era já demasiado tarde para mim. Não queria perdê-lo Aceitei esperar. Esperar que fossem para a escola, que terminassem o liceu, que entrassem na Faculdade. Estávamos juntos nos intervalos da outra vida dele. Passei as datas festivas sozinha. Será que a mulher dele sabia? Terá desconfiado do trabalho que se prolongava até depois do jantar e por alguns fins-de-semana? Talvez soubesse e não se importasse.

Entretanto envelhecíamos. Nos sucessivos adiamentos, ele deixou de prometer até quando teríamos de esperar, também não falou mais de como seria. Despromovida de amante a outra coisa qualquer, em breves encontros, às vezes sexuais, outros, nem isso.

Até que nem sei como, consegui encontrar alguma força em mim. Fiz as malas, arranjei-me como nos primeiros tempos e esperei por ele.

Ele notou a diferença. O que não percebia fê-lo agir primeiro como se estivesse com ciúmes. Não falou em não ter tempo. Sentou-se, quando lhe disse que tínhamos de conversar.

Tive toda a sua atenção quando retirei a chave da porta da casa, a casa que ele arranjara para nós, e a coloquei sob a mesa da entrada.

“Sabes que entre nós, já não dá.”

Ele quis protestar, talvez por orgulho.

Antes de sair batendo a porta, fui eu que lhe disse: “tenho de ir.”