Chovia imenso na tarde em
que lhe comunicaram o resultado do exame.
Quando saiu para a rua,
entre o consultório e o parque onde deixara o carro, não se lembrou de abrir o
guarda-chuva e deixou de ouvir ou ver o que se passava em seu redor. Apenas ao entrar
no parque, o som dos seus passos se impôs para que o tempo voltasse a correr,
quase como antes.
Já não tinha pais. Desde
que há anos fora trabalhar para a cidade, deixara que os laços familiares
enfraquecessem, ao ponto de só regressar por doenças ou mortes.
Vivera duas relações
banais e tinha amigos com quem trocava trivialidades. Podiam sair para jantar
ou uma noite de copos. Talvez até para uma viagem de férias, embora preferisse
viajar sozinha. Não eram suficientemente próximos para a conhecerem ou para que
os conhecesse, para poder chamá-los e estarem ao seu lado nos maus momentos, na
doença, à espera da morte.
A última vez que fora à
aldeia fora pelo funeral da mãe. Rodeada de vizinhos e primos, todos idosos, de
quem ela mal se lembrava e que falavam da mãe dela como se fosse uma rapariga,
“da idade deles”, apercebera-se como da ponte com o seu passado restava apenas
a tia Clara. Sempre a conhecera vestida de preto. Nessa altura reparara como
parecia mais baixa e encolhida. Tinha pensado com tristeza que a próxima vez
que ali viria, seria a última, e seria pelo seu enterro. Aquela vigília, pelas
conversas, fizera-a lembrar a sala de espera de um hospital, em que eram
atendidos pela idade, excepto se algum se revelasse um caso grave, em que, com
a aceitação geral, passava à frente.
Agora o caso mais grave
era ela.
Queria o abraço da sua
mãe. Decidiu voltar à aldeia e reencontrar a tia.
Muito bom.
ResponderEliminarAbraço e bom Domingo
Muito obrigada Elvira
Eliminarum abraço, bom final de Domingo e bom S. João
Um bom texto, um regresso às origens mais por força das circunstâncias do que por um desejo natural. Gostei! Mas achei-o tão triste e no entanto tão actual. Tão deste tempo, dum tempo que afasta as pessoas porque...
ResponderEliminarOs motivos são vários; porque as pessoas passaram a ter raízes aéreas, daquelas raízes que não precisam de terra para se fixarem. Só (só?) precisam de um local onde viver. E no final da "viagem" só precisarão desse mesmo local para morrer; para morrer só. É triste!
Beijinhos (+ akele abraço).
Muito obrigada Kok - estava um pouco forçada pelo tema a escrever um texto para o triste mas previ que algo positivo ainda poderá advir, como a descoberta de um sentido e ou iniciar um tratamento - sobre o que se passa na realidade, uma imagem especial a das raizes aéreas
ResponderEliminarbeijinhos e um abraço do P.