“Os sonhos não servem
para nada. Não te enchem a barriga quando tens fome.”
Depois da afirmação o
homem pousou a caneca na mesa. Não era decididamente um velhote igual aos
autos. A barba crescia-lhe em tufos grisalhos, pouco cabelo e demasiado comprido,
roupa desirmanada, mas a voz profunda e o tom assertivo revelavam outra idade,
outra vida.
Falava mais para si mesmo
e na taberna meio vazia ninguém parecia escutá-lo.
Àquela hora só almas
perdidas por ali paravam.
E eu seria mais uma,
mas ouvi-o.
As suas palavras traduziam
estranhamente o que sentia e me levara ali para uma bebida.
Nos últimos tempos, quando
olhava para trás, via só o que falhara na vida e afundava-me na maior
miserabilidade.
Tentei lembrar os
sonhos que tive ao longo da vida. Evoluíram enquanto crescia, da bicicleta ao
sucesso, à felicidade, cada vez mais inatingíveis e impossíveis, até que
deixara de sonhar.
Mas naquele momento
procurei recordar o que sentira quando o meu pai me trouxe a bicicleta, com o
selim vermelho e as quatro velocidades que me pareciam todas iguais.
Não descansei até
conseguir andar nela sem cair. Melhor do que tinha sonhado porque real. A
partir dela construi outros sonhos dos sítios onde queria ir. E a alguns, fui.
Não serão os sonhos que
não servem para nada, mas os sonhos vazios, falhados.
Os sonhos não te enchem
a barriga, mas podem encher-te a alma.
Queria dizer-lhe isso
mas quando olhei em volta apercebi-me que ele já lá não estava.
Não acabei a bebida que
pedira, paguei-a e saí
Não voltei a vê-lo.
Poderia não ser real, poderia tê-lo imaginado. Lembro-me dele às vezes como me
lembro que devo continuar a sonhar.
Gostei muito deste texto. Já dizia o professor poeta que o sonho comanda a vida. :)
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