Tenho
dez anos e chamo-me Lucas.
Não
sei o que escrever sobre mim nesta composição até que me lembrei que se
escrever sobre o que se passa comigo estarei a escrever sobre mim.
Até
ao ano passado achava-me normal e feliz.
Há
dois meses a minha avó morreu e passei uma linha invisível. É assim que o vejo.
Na
noite em que se sentiu mal, a minha mãe mandou-me para o meu quarto e chamaram
um médico.
Deitado
na cama olhei para a sombra no tecto em que vejo, via, a Nossa Senhora desde
que fiz à primeira comunhão. Rezei-lhe para que a minha avó ficasse bem.
A
certa altura comecei a ouvir a minha mãe a chorar e juraria ter escutado também
a voz da minha avó a dizer à minha mãe que estava tudo bem. Mas não estava e
não posso ter ouvido nada porque a minha mãe começou a chorar quando ela
morreu.
Depois
passámos por um período estranho, família, e pessoas que nunca tinha visto
antes vieram visitar-nos. Antes do funeral quando me disseram para me despedir,
vi o corpo da minha avó mas não parecia ela.
Mais
estranhos ainda os dias que se seguiram, em que tudo parecia igual mas estava
diferente e saber que ela não voltaria mais.
Sinto
falta dos seus abraços. Tive pesadelos em que a procurava mas não a encontrava.
Passei
a linha, fiquei a saber que a morte nos acontece a nós e é isto, não ver mais a
minha avó. Nunca mais. Pensar nisto faz-me pensar que a vida não vale a pena.
Também pensar isto é passar a linha. Estou do outro lado e queria voltar ao
ontem em que era normal e feliz.
Talvez
quando crescer possa entender melhor.
E
talvez possa voltar a sentir-me eu, normal.
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