Recomeçaram as aulas e no início da semana Eva apanhou o comboio para
Coimbra. Com a prática de muitas viagens rapidamente guardou a mala e enfiou-se
no seu lugar.
O seu olhar não se fixou na paisagem que corria perante si: campos
cor-de-terra, poucas casas e árvores.
Nem nas gotas de chuva que escorriam pela janela.
Muito menos no reflexo do seu rosto iluminado no vidro quando passavam por
um túnel.
Ou ainda no que se passava na carruagem, meio vazia, meio ocupada por
desconhecidos.
Tinha-se deitado tarde na noite anterior. Com sono foi-se desligando de
como era em família e vestindo o papel de estudante empenhada.
Reviu o “programa” para o dia. Quando chegasse teria de correr para chegar
ao quarto, deixar lá a mala, comer alguma coisa e não perder a primeira aula.
Com o movimento cadenciado do comboio, pouco a pouco, deixou de ouvir a voz
da senhora à sua frente que ao telemóvel contava a sua vida e a dos colegas a
alguém que a escutaria do outro lado. Pelo que contava não pareciam vidas
interessantes mas muito ocupadas em competir em bens e férias de facebook.
Adormeceu.
Um calor confortável e macio acolheu-a, juntamente com um cheiro bom a
roupa lavada e algo mais.
Até que um balanço do comboio que acelerava a fez pensar que caía e abriu
os olhos.
Tinha estado encostada a alguém e esse alguém era um rapaz um pouco mais
velho que ela.
Endireitou-se-num ápice, envergonhada e pediu-lhe desculpa. Começaram a
falar.
Estava a simpatizar com ele até que ele lhe disse o nome. Inacreditável
entre os milhares de nomes possíveis para estranhos interessantes.
Não quis revelar-lhe o dela. Inventou que se chamava Maria.
Reduziu-o a mero episódio de uma viagem no comboio.
Nem pensar em envolver-se com um Adão.
A vida simplesmente
acontece.
Num momento podemos
estar a pensar em como será.
E parece que pouco
depois, temos um passado.
Subitamente é demasiado
tarde.
Apercebemo-nos de tudo
o que não vamos fazer, de tudo que não seremos.
Creio que os momentos mais
marcantes serão os dos nascimentos e das mortes.
Abomino a morte, não
suporto a ideia que seja definitiva.
Disseram-me que se
aprende com o sofrimento, nem que seja a compaixão.
Continuo a pensar que é
quando estamos felizes que é mais fácil ser-se bom.
Não queria que a dor me
tornasse uma pessoa má.
Sabê-lo-ei no
derradeiro momento, se ainda tiver consciência e tempo para me lembrar de
pensar nisso.
Então vou escolher os
primeiros e lembrar momentos que são de nascimento sem o ser.
São-no porque nasce em
nós a paixão, a admiração, o afecto, o amor por alguém que antes nos era
estranho. Cada pessoa é um mundo, algumas até parecem ser mais
No tempo de pensar como
será, o que desejava para a minha vida era viver um grande amor.
Desde os contos de
fadas, aos romances no cinema, apenas príncipes e princesas, os personagens
interpretados por belos actores e actrizes pareciam dignos de o sentir, de amar
e ser amados. Aos outros, para o resto do mundo, restaria os papéis
secundários, dos escudeiros, bruxas, ou melhores amigos.
Desejo não assumido ou
revelado por o crer impossível.
Até que não sendo eu nada
de especial tropecei num príncipe.
E ele também gostou de
mim.
Cada pessoa é um mundo,
algumas até parecem ser mais.
Ele foi mais. É mais.
Momento marcante por
todos os momentos que se seguiram.
Em que o que pensava e
queria no tempo do pensar como será, foi como queria que fosse.
Queria lembrá-lo e
senti-lo até esse último momento.
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