terça-feira, outubro 02, 2018

Post 6850 - Desafios de Escrita - 10/10 OE, 4/10 CNEC

Recomeçaram as aulas e no início da semana Eva apanhou o comboio para Coimbra. Com a prática de muitas viagens rapidamente guardou a mala e enfiou-se no seu lugar.
O seu olhar não se fixou na paisagem que corria perante si: campos cor-de-terra, poucas casas e árvores.
Nem nas gotas de chuva que escorriam pela janela.
Muito menos no reflexo do seu rosto iluminado no vidro quando passavam por um túnel.
Ou ainda no que se passava na carruagem, meio vazia, meio ocupada por desconhecidos.
Tinha-se deitado tarde na noite anterior. Com sono foi-se desligando de como era em família e vestindo o papel de estudante empenhada.
Reviu o “programa” para o dia. Quando chegasse teria de correr para chegar ao quarto, deixar lá a mala, comer alguma coisa e não perder a primeira aula.
Com o movimento cadenciado do comboio, pouco a pouco, deixou de ouvir a voz da senhora à sua frente que ao telemóvel contava a sua vida e a dos colegas a alguém que a escutaria do outro lado. Pelo que contava não pareciam vidas interessantes mas muito ocupadas em competir em bens e férias de facebook.
Adormeceu.
Um calor confortável e macio acolheu-a, juntamente com um cheiro bom a roupa lavada e algo mais.
Até que um balanço do comboio que acelerava a fez pensar que caía e abriu os olhos.
Tinha estado encostada a alguém e esse alguém era um rapaz um pouco mais velho que ela.
Endireitou-se-num ápice, envergonhada e pediu-lhe desculpa. Começaram a falar.
Estava a simpatizar com ele até que ele lhe disse o nome. Inacreditável entre os milhares de nomes possíveis para estranhos interessantes.
Não quis revelar-lhe o dela. Inventou que se chamava Maria.
Reduziu-o a mero episódio de uma viagem no comboio.
Nem pensar em envolver-se com um Adão.

A vida simplesmente acontece.
Num momento podemos estar a pensar em como será.
E parece que pouco depois, temos um passado.
Subitamente é demasiado tarde.
Apercebemo-nos de tudo o que não vamos fazer, de tudo que não seremos.
Creio que os momentos mais marcantes serão os dos nascimentos e das mortes.
Abomino a morte, não suporto a ideia que seja definitiva.
Disseram-me que se aprende com o sofrimento, nem que seja a compaixão.
Continuo a pensar que é quando estamos felizes que é mais fácil ser-se bom.
Não queria que a dor me tornasse uma pessoa má.
Sabê-lo-ei no derradeiro momento, se ainda tiver consciência e tempo para me lembrar de pensar nisso.
Então vou escolher os primeiros e lembrar momentos que são de nascimento sem o ser.
São-no porque nasce em nós a paixão, a admiração, o afecto, o amor por alguém que antes nos era estranho. Cada pessoa é um mundo, algumas até parecem ser mais
No tempo de pensar como será, o que desejava para a minha vida era viver um grande amor.
Desde os contos de fadas, aos romances no cinema, apenas príncipes e princesas, os personagens interpretados por belos actores e actrizes pareciam dignos de o sentir, de amar e ser amados. Aos outros, para o resto do mundo, restaria os papéis secundários, dos escudeiros, bruxas, ou melhores amigos.
Desejo não assumido ou revelado por o crer impossível. 
Até que não sendo eu nada de especial tropecei num príncipe.
E ele também gostou de mim.
Cada pessoa é um mundo, algumas até parecem ser mais.
Ele foi mais. É mais.
Momento marcante por todos os momentos que se seguiram.
Em que o que pensava e queria no tempo do pensar como será, foi como queria que fosse.
Queria lembrá-lo e senti-lo até esse último momento.

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