quinta-feira, julho 05, 2018

Post 6761 - Desafio de Escrita 6/10 Quando for grande




Quando for grande, pensava dos seis aos dez anos, poderei comprar todos os chocolates e revistas da Mónica e do Tio Patinhas que eu queira. E não voltar mais à escola.
Aos seis, pela primeira vez sozinha por opção, num dos baloiços cobiçados do parque no Colégio de Padres, anormalmente deserto porque todos estavam na festa de Carnaval, vejo o edifício mais brilhante à medida que escurece, por oposição aos demais, penso em quem sou, reconheci-me, esta sou eu.
Quando for grande, decidi aos onze, será para pensar naquilo com que tinha chocado e me afligia, de onde viemos, para onde vamos, porque afinal serei adulta aos dezoito.
Morreu a minha avó. Não é algo que acontece só com os outros, por isso, irreal e distante, a morte acontece-nos a nós. Tive sonhos em que procurava o seu abraço, chi‑coração. Ouvir os apologistas de como é bom ser criança quando me afundava em preocupações fez-me pensar que ser adulta devia ser uma droga.
Fechei-me mais. No silêncio vejo-me melhor e aos outros.
Quando for grande, pensava aos dezoito, não o posso ser agora quando me vejo tão pequena - entrei na faculdade, mais entregue a mim própria, com passe e pouco dinheiro, conheço os números e o caminho dos autocarros, o mundo aumentou essa distância - sê-lo-ei quando acabar o curso?
Terminei a faculdade, não sei se vou conseguir emprego. Devia ser adulta. Vejo‑me sem objectivos – antes eram balizas, os exames, o passar de ano.
Procuro caber no perfil da profissão, primeiro de advogada, depois, a ironia para quem adoptou como lema não julgar ninguém.
Quando fosse grande queria ter trabalho, a carta de condução, conduzir um carro, viver um grande amor.
Cheguei lá.
Sinto-me pequena. Diminuem as possibilidades enquanto a vida acontece.
Nunca serei grande. Não o quero ser.

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