Noite de Santo António em Lisboa
Mara ia com o irmão, pela primeira vez,
passar sem os pais a noite de Santo António.
Ele com vinte e um anos, ela com
dezasseis.
O pai proibira-a de ir com amigas. Não que
alguma amiga se tivesse lembrado de a convidar. Desde que deixara a escola,
pouco a pouco, tinha perdido o contacto com as antigas colegas, e nunca tinha
sido muito próxima de nenhuma.
Normalmente ficavam em casa. A mãe assava
as sardinhas num fogareiro na varanda. A casa ficava cheia de fumo, a cheirar a
sardinhas, mesmo no dia seguinte, e a roupa guardava o cheiro mais dias.
Ouviam o som da festa ao longe e
deitavam-se cedo.
O pai não era severo, era antigo, como ele
próprio dizia, e pessoas sérias ficavam em casa à noite.
Pouco a pouco, o irmão começou a ter mais
liberdade. Acabou a escola. Começou a trabalhar numa Oficina perto, a ajudar
nas despesas em casa. O pai não lhe dizia, mas orgulhava-se do Zé. Toda a
família gostava dele. Bom rapaz, engraçado, responsável. Apenas não era muito
bonito, mas os pais e ela nem reparavam nisso. O Zé era o Zé. A ela diziam-lhe
que era bonita, mas não lhe parecia uma qualidade, mais uma preocupação, uma
razão para não poder sair sozinha. Acabou a escola e ficou a ajudar a mãe na
costura. Só saia com os pais ou com a mãe. Talvez muito raramente fosse fazer
umas compras, mas só durante o dia e enquanto havia luz.
O Zé teve a ideia de ela vir com ele.
Primeiro, o pai nem quis ouvir falar nisso, mas depois lá se convenceu. Ia
fazer companhia ao irmão, que tomaria conta dela e deviam estar em casa antes
da meia-noite.
O irmão chegou a casa da oficina, tomou um
duche, mudou de roupa.
Ela estava ansiosamente à espera desde
manhã cedo, com algum receio de que o pai mudasse de ideias e não a deixasse
ir, mas o pai estava bem disposto e se pensou nisso, nada disse.
Saíram pelas vinte horas. Ainda havia luz
e lá foram, em direcção à festa. As ruas estavam enfeitadas e cheias de
pessoas. Assavam-se sardinhas e passavam-se febras pela brasa. Andaram muito,
mas quem corre por gosto, não cansa. Chegaram à Av. da Liberdade, quando
estavam as marchas a passar. Cantava-se, bebia-se. Lançaram fogo-de-artifício.
O céu encheu-se de luzes, ecoou o barulho de estampidos, um pouco abafado pela
música. Provou da água-pé que o irmão arranjou. O irmão encontrou amigos,
apresentou-a. Rapazes e raparigas um pouco mais velhos que ela. A certa altura
afastou-se um pouco, para conversar com uma Paula, uma rapariga baixinha, de
cabelo escuro aos caracóis, com um riso bonito. O Zé parecia gostar da Paula.
Mara sentiu-se a fazer de pau de cabeleira e deu uns passos na direcção aposta.
Distraiu-se com os foguetes, uns grupos animados passaram por ela e quando
olhou já não viu o irmão. Avançou até onde tinha a ideia de o ter visto antes e
ele já lá não estava. Não o via em lado nenhum. Chamou "Zé", mas com
tanto barulho à sua volta, mal ouvia a sua própria voz. De repente a noite começou
a parecer-lhe estranha. Não sabia onde estava, à sua volta, só rostos de
desconhecidos, animados e ocupados uns com os outros. Havia homens que
reparavam nela, mas não gostou dos olhares deles, como diria a mãe, não lhe
pareciam sérios, de rostos vermelhos pela cerveja e vinho, alguns da idade do
pai, olhavam para ela de uma forma que a fazia sentir, sem saber bem porquê, um
pouco suja. Não quis que percebessem que estava perdida e se tinha visto
sozinha. Se os apanhava a olhar para ela, fazia de conta que ia ter com
alguém que conhecia, passava por eles e deixava-os para trás, mas cada vez
estava mais perdida. E então sentiu um olhar diferente. Não era um homem, mas
um rapaz da idade do Zé, com cabelo louro e sorriso de garoto. Quando ele
sorriu para ela, pareceu-lhe por um momento que tudo parava à sua volta. Ele
percebeu que ela estava perdida. Veio ter com ela e Mara não fingiu que via
alguém conhecido atrás dele. Ao contrário, fixou o olhar no dele. Ele chegou
pertinho dela, porque era muito alto baixou-se para falar com ela e disse-lhe
"o Zé está à tua procura". Depois soube que era o Pedro, um amigo do
Zé que quando deixou de a ver, incumbiu todos os amigos de a procurarem. O Zé
tinha-a descrito tão bem que o Pedro soube logo que era ela e se não fosse,
pensou ela, quereria ser. Foi essa a primeira vez que viu o Pedro. Mais tarde
ia contar muitas vezes essa história aos filhos e aos netos, a da noite em que
conheceu o pai ou o avô deles.
Gostei. Agora fico à espera de um conto de S. João!
ResponderEliminarObrigada :)
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Uma noite de Santo António diferente e bela.
ResponderEliminarbeijo
Graça
Muito giro..... Gostei muito!!!
ResponderEliminarParabéns menina Redonda.....
Pizza boy
Obrigada Graça Pereira :)
ResponderEliminarum beijinho
E então Pizza Boy não queres escrever também algum conto para um dos próximos desafios?
um beijinho
Olá menina Redonda,
ResponderEliminarjá tinha pensado nisso, e muito a sério... O problema é que quando idealizo a história e a começo a passar para o papel .... o prazo acaba!!!
;)
bj e obrigado pelo desafio
Um eterno fã das suas escritas...
Pizza Boy
:)
ResponderEliminarGostei muito.
ResponderEliminarParabéns!!
Beijinhos
Obrigada Numa de Letra :)
ResponderEliminarum beijinho
houve momentos que temi o pior
ResponderEliminar:) Obrigada por teres lido e pelo comentário :)
ResponderEliminarum beijinho
Gábi