Ah Tanta água. Minha nossa Senhora, pois eu não havia de morrer sem ver o mar.
O orgulho pela neta parecia que lhe rebentava o peito. Sim senhora que rapariga bonita se tornara a sua Ana e doutora. Uma mulher de armas, saíra à mãe, mas essa coitada, não tivera sorte. O seu tempo foi muito duro. De sete filhos, só tinha vingado a Antónia, mãe da Ana. Três morreram-lhe ao nascer, ainda anjinhos. A parteira fizera o que podia, mas ela era muito magra e apertada, depois de tantas horas de dor, quase que se finara também. Parira no Inverno. Não havia telefone na aldeia, nem pensavam em chamar o doutor da cidade. Não havia dinheiro, nem tempo. Os outros três, Pedro, Ana e Madalena tinham morrido com seis meses, 3 e 2 anos, de sarampo e tifo. Não havia vacinas. Ainda lhe dava uma dor de alma sempre que se lembrava. Foi como Deus quis. Eram tempos difíceis. À sua Antónia e aos outros enquanto foram vivos, muitas vezes não tinha que lhes dar de comer. Lá foi criando a filha que lhe ficara como podia. O pai abalara para o estrangeiro, para França. Nos primeiros tempos ainda lhe mandara notícias e 500 mil réis através dum primo, por duas vezes. Depois mais nada, nem dinheiro, nem notícias. Constara muita coisa, desde que tinha morrido a que se tinha junto com outra. A ser assim vivia em pecado. Que Deus lhe perdoasse, que ela já não sentia nada. A Antónia cresceu na aldeia, mas sempre na ideia de abalar também. Queria outra vida. Meteu-se com más companhias. Embarrigou e aí ela percebeu que tinha de deixar a filha ir. Na aldeia com uma filha sem pai, não havia futuro para ela. Deixou a menina com a avó. Disse-lhe que a mandaria vir buscar. Depois foi uma desgraça só. Não tinha estudos, não arranjava trabalho. Adoeceu por lá, sem ninguém que a cuidasse. Quando lhe chegou a notícia, só a neta a agarrou à vida. A sua Ana não tinha mais ninguém. Jurou que nada lhe faltaria e que a sina da neta seria diferente. Matou-se a trabalhar, e pediu também aos vizinhos, aos parentes que lhe sobravam, umas primas afastadas da vila, mas conseguiu que estudasse. A neta ficara a morar em Coimbra, mas vinha visitá-la muitas vezes. Não lhe faltava com nada. E pelo seu aniversário lembrara-se: "Ó vó, não é tarde, nem é cedo, a senhora nunca saiu daqui, hoje vem comigo ver o mar". E ali estavam as duas, descalças com os pés naquela terra clara. O vento frio e fresco lembrava-lhe a montanha, mas o cheiro do ar não tinha igual, cheiro da maresia. Tanta água à sua frente. Até lhe causava medo. A água toda junta era azul com espuma branca nas ondas que se acabavam na areia. À sua frente espantou-se como a água se movia depressa. Fixou o olhar nuns verdes, umas algas, disse-lhe a neta, e reparou como uma onda as empurrava tão depressa. Sentiu-se tonta. Quem diria, depois de velha, ia ver o mar.
O conto ficou ótimo. Minha nota é 10!
ResponderEliminarVocê ainda não foi ver a continuação de meus relatos "No Tempo dos Coronéis". Espero!
Beijo!
Maith
http://www.cuidadoestaoteespiando.blogger.com.br
Li com tanta paixão!
ResponderEliminarLindo! Suspirei de alívio pelo fim...
Lembrou-me Raúl Brandão...
Uma maravilha! Tens talento, tens veia (mas não para picar eheh), tens imaginação e a minha gratidão por me presenteares com um trecho literário de elevado nível.
ResponderEliminarPor mim já passaste :)
Um beijinho
Adorei, a mim fez-me lembrar um escritor que adoro, Júlio Dinis.Perdoa-me a comparação, mas é a minha maneira de fazer o merecido elogio. Que tal aproveitares a ideia e fazer de conta que o que escreveste foi apenas um trecho de um livro em que aquele trecho está inserido ? É que gostava de ler o livro todo, pois a avaliar pela amostra, seria fenomenal. Aguardo, pois. E já agora, vou deixar o anonimato e identificar-me: sou "maltês", em tempos mais assídua, pelo menos em termos de comentar o teu blog, porém, sempre e constantemente um leitor fidelíssimo dos teus maravilhosos posts.
ResponderEliminarBeijinhos.
Excelente texto!Ritmo imparável.Gostei do recurso a arcaísmos.E não é que me cheirou a maresia?Temos contista._:)Ficamos à espera de mais...
ResponderEliminarMuito bem, Dona Redonda. Gostei.
ResponderEliminarRedonda, que maravilha.
ResponderEliminarGrande notas terás nesse trabalho de casa.
Achei muito bonito. Li-o de um fôlego. O ritmo leva-nos, leva-nos...
Beijos.
comoveu-me...
ResponderEliminar«À sua frente espantou-se como a água se movia depressa. Fixou o olhar nuns verdes, umas algas, disse-lhe a neta, e reparou como uma onda as empurrava tão depressa. Sentiu-se tonta. Quem diria, depois de velha, ia ver o mar.»
ResponderEliminarEsta fase final do texto requer reformulação, dado o elevado nível literário que todo o texto denota. Uma vez que não se trata de prosa poética, o que permitiria uma maior liberdade a nível de alteração da ordem gramatical, ausência de pontuação, tempos verbais híbridos, etc., as regras do código escrito não são muito fexíveis.
Sugestão:
Transformar 'à sua frente' num elemento móvel da frase e colocã-lo no fim. E retirar o verbo 'ia'... desnecessário aqui e cujo tempo verbal não está de acordo com a descrição.
Assim:
«Espantou-se como a água se movia depressa, 'à sua frente'. Fixou o olhar nuns verdes, umas algas, disse-lhe a neta, e reparou como uma onda as empurrava tão depressa. Sentiu-se tonta. Quem diria, depois de velha, 'a' ver o mar.»
Gostei muito do 'todo', Redonda!
Muito bom.
Espero que não leve a mal a minha sugestão, mas creio que o texto ganha muito com pequenas transformações... e eeste texto merece-as, dada a - repito - excelente qualidade apresentada.
No meu comentário anterior, onde se lê «eeste»... deverá ler-se 'este'. Pressa ao teclar! :) Uma aula espera-me. Mas não quis deixar de comentar este post. Merece-o.
ResponderEliminar'Jinhos'
gostei muito de ler a história.
ResponderEliminarfizeste bem publicá-la aqui, para nós.
consiguiste passar-me a emoção e o sentimento
obrigada
beijo
luísa
Gostei muito do teu texto.
ResponderEliminarÉs uma aluna aplicada, por isso a nota é alta...
:)
Beijitos
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarLi e gostei muito. Sinceramente!
ResponderEliminarGrande texto, a sério! Muito bom!
ResponderEliminarEstás a ver? Fizeste-me lembrar o Vergílio Ferreira no travelling do tempo. Muito bom!
Olá Maith :) Obrigada pela nota e pela informação. Depois vou ler a continuação :)
ResponderEliminarum beijinho
Obrigada pelo incentivo e por ser meu amigo Cabral-Mendes :)
um beijinho
Olá Eira-Velha :) Obrigada :)
um beijinho
Olá Maltês :) a ti agradeço-te pessoalmente espero que amanhã :)
um beijinho
Olá Ferreira :) obrigada :)
Que bom que gostaste Waterfall :)
Obrigada Berta Helena :)
um beijinho
Olá * :)
Sabes, significou muito para mim o que escreveste. Obrigada :)
um beijinho
Olá Ni :)
Muito obrigada pela sugestão. Vou ver se a seguir altero ou faço um novo post com o texto corrigido.
Olá pin gente :) obrigada minha amiga (para já, ainda virtual :)
um beijinho
Olá AnaG. gostei que tivesses gostado :)
um beijinho
Anónimo desculpe por ir a seguir apagar o seu comentário. Não sei se é ou não como diz, espero que não seja e agora não tenho tempo para a visita demorada. O que sei é que não queria que alguém ficasse triste por ler o que escreveu e por isso é que o vou apagar.
Olá DomingonoMundo...porque admiro o que escreves gostei muito do teu comentário agora. Obrigada
Olá Jorge c. vou de seguida ao teu blog. Será que já estás sem óculos ? Ah, não posso esquecer-me obrigada pelo teu comentário, gostei muito que tivesses gostado :)
Belo conto com uma forma original de transformar uma 3ª pessoa em 1ª, assim em jeito de corrente da consciência.
ResponderEliminarAbraço
Obrigada Rosa dos Ventos :)
ResponderEliminarum beijinho
Olá redonda,
ResponderEliminarLi este texto de uma assentada e depois... ufa! tive de respirar fundo.
Texto impregnado de imaginação, de fluidez e de... emoção! Gostei muito. Parabéns!
E eu, como outros antes de mim já o manifestaram, fico à espera de mais, ok?
Que bom que gostaste!
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