quinta-feira, abril 01, 2021

Post 8007 - CNEC 54 - 26 - 2/10 - A decisão

 
Quem decidiu não fui eu
 
 
Talvez já não gostasse dele, se é que alguma vez gostei.
No início, apesar de deslumbrada, assustou-me levemente a corrida em que nos metia.
Namoramos e vamos logo morar juntos. “A tua família e amigos devem ficar longe, na casa deles. Temos de ter a nossa intimidade.”
Mas que intimidade?
Eu a tentar manter tudo em ordem para que não se zangasse, enquanto ele bebia cerveja e assistia a jogos de futebol na televisão ou saía para ir vê-los com os colegas e compinchas.
Grata e agradecida que saíssem, ao invés de berrarem se havia golo ou falta, e filho da puta do arbitro que era cego e nada via, e deixarem depois a sala desarrumada, copos sujos e garrafas esquecidas.
Vendo meu desencanto saiu-se com “se me deixas, mato-te e mato-me”. Se ao menos se matasse primeiro.
Tinha-me iludido, não era um príncipe, mas um traste, potencialmente perigoso.
Não me deixaria ir, tinha de definir uma estratégia e arranjei um plano.
Comecei a ouvir vozes, a não acertar em nada, limpezas, lavagens, cozinha, mas mal ele chegava corria para ele, suada e louca: “amor não me deixes”.
Se ralhava porque nada estava pronto, concordava com ele, “tens razão amor, não consegui, não te mereço, mas não me deixes que sem ti morro.”
A certa altura, ele mudou a ameaça: “se não voltares a limpar, lavar e cozinhar como antes, deixo-te!”
“Não, não, não! Nunca!”
Continuei a falhar, desarranjada e pegajosa, e ele decidiu castigar-me. Fez as malas vociferando: vou deixar-te!
Só faltou arrastar-me aos seus pés quando ele de malas feitas me atirou com a chave da porta.
Foi-se.
 
Depois.
 
Ele, espantado, a seguir perturbado e zangado, tarde demais para voltar se eu não lhe pedisse…
Não lhe pedi.
 
Eu, finalmente livre.

 

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