quinta-feira, janeiro 14, 2021

CNEC 53/25 - 1/10 - Uma história de infância

 

- No meu tempo tínhamos de crescer cedo. Quando eu tinha nove anos não sabia nadar. O meu pai fartou-se dos meus medos, pegou em mim e atirou-me para o rio. Disse‑me para fazer como os cães, que os homens é que são estúpidos e se afundam, se batermos as pernas como os cães isso já não sucede. Não sei como fiz, devo ter batido os pés, as mãos. Mal me vi em terra, apesar da roupa molhada e ter engolido um balde de água,

- Aprendeste a nadar?

- Aprendi nada, mas nunca mais me deixei foi apanhar fosse por quem fosse perto de água.

Rio baixinho ao lembrar, mas rio sozinho. Ninguém fez a pergunta que julguei ouvir. Ninguém me escuta ou presta atenção. Talvez nem faça sentido o que digo. Também muitas vezes não entendo o que me dizem.

Sempre gostei de conversar, tomar um café ao fim do dia, ouvir do que falavam em redor, lançar às vezes uma acha para a fogueira.

Agora falo sozinho. Confundem-se-me os tempos e os eventos. Reformei-me com os filhos criados e encaminhados, íamos viajar, mas uma manhã a Ana não acordou. Passei mal. Fui para o hospital, deram-me alta, mas fiquei preso do lado direito. Pensei que iria viver para casa da minha filha, mas ela tinha a vida dela. O meu filho também, e não podia ficar sozinho. Meteram-me num lar. Espaçaram as visitas até não virem mais. Deixei de ter as minhas coisas, não posso nem decidir a que horas me deito e levanto. E isto está cheio de velhos. Havia um que berrava de repente e assustava-nos. Algo de que se lembrava e o fazia zangar-se, mas já morreu.

Se voltar a sonhar que o meu pai me atira para a água, vou me deixar afundar.

3 comentários:

  1. Buen relato el fina me impacto te mando un beso

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  2. É uma estória comovente e tem muito de verdade... Mas hoje não foi o melhor dia para a ler...

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  3. Quando era garoto tinha medo de morrer "fogado" na banheira :)))
    Bjs, bfds

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