quinta-feira, setembro 17, 2020

Post 7708 - CNEC 50/22 - 1/9 Um abraço improvável

 Diria que se detestaram assim que se viram.

Ambos filhas únicas e da mesma idade. Os pais da Bá mudaram-se para o prédio quando ela tinha cinco anos. Era uma menina linda, mas um pouco negligenciada. Até essa altura, a Rita tinha sido a única criança por lá, e era apaparicada por todos, pelos pais e pelos vizinhos, na sua maioria casais reformados, com netos que viviam longe.

Poderá ter sido essa a razão? A insegurança de uma e o ruir do monopólio na atenção da outra?

Queriam que brincassem juntas. Os pais da Bá deixavam-na aos cuidados da mãe da Rita que a incluía no lanchinho. Mal as deixavam sozinhas começava a guerra. No princípio, ainda tentavam disfarçar se estava mais alguém presente. Depois, sucederam‑se os empurrões e puxões de cabelo, e vieram as queixinhas, “a Bá puxou-me o cabelo”, “a Rita estragou-me o vestido”.

Quando cresceram arranjaram amigos da sua idade na escola, mas cada qual tinha os seus. Seria uma traição se o amigo de uma falasse com a outra.

Vigiavam-se. Fingindo desinteresse iam acompanhando o que fazia a outra.

Começaram a namorar na mesma altura. A Bá ficou de barriga e o safado deixou‑a. Teve um filho e uma depressão, mantendo-se em casa dos pais.

A Rita conseguiu um bom trabalho e um casamento com festa, mas não havia modo de engravidar. Divorciou-se e voltou para casa dos pais.

Conheceram outros homens e como uma paródia da vida, a situação inverteu-se, o da Bá, queria casar com ela e adoptar o menino e a Rita foi largada grávida.

A Rita queria tanto o bebé como a Bá o casamento. Num dia cruzaram-se na escada felizes as duas. A Rita escorregou e a Bá para que ela não que caísse, abraçou-a, mas logo depois continuaram fielmente inimigas.


7 comentários:

  1. Delicioso. Permita-me um arremedo de continuação. "Até que um dia, vinda a Bá do mercearia da esquina, se viu confrantada com ex, o ex da juventude um dos que a Rita lhe roubara, aquela desgraçada, agora por fim só, e velha, e que bem feito era, pensava Bá para com os seus botões, também estes já um pouco fora de moda, um pouco tisnados pelo tempo que se fazia passar, sem perdão nem demasia. Ora, era bem feita, Rita merecia aquela morte lenta, aquele sofrimento que tantas e tantas vezes, por mero capricho, a outras inflingira... :)

    Beijo e, boa escrita. :)

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  2. Essa imaginação não conhece limites!
    Beijinho, bfds

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  3. A história de Bá e de Rita é provável,e, infelizmente, comum; o final já o é menos. Mas não é improvável. Criativo é de certeza, como sempre acontece nas tuas histórias.
    Um beijinho
    M. (olamariana.blogspot.com)

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  4. E assim no prédio as crianças continuaram a dar vida...à imaginação da Gábi!

    Abraço

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  5. Nunca me teria lembrado de um abraço assim!
    :)

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  6. Muito interessante este seu texto, meus parabéns.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  7. Lindo... São daqueles abraços instintivos! ;)

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    Pensamentos confinados...
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    Beijos, e uma excelente noite

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