quinta-feira, janeiro 23, 2020

Post 7317 - Desafio de Escrita 2/10 - Jardim Público




No Inverno o jardim público era um pouco assustador.
As árvores despidas erguiam os ramos em garras para os céus cinzentos e, quando havia nevoeiro, jogavam macabramente às escondidas, escondendo-se para logo depois, empurradas pelo vento, se atravessarem à frente de quem pouco antes não as via.
Por lá, apenas então passavam, além dos donos de cães e cãezinhos, todos meio gelados, os corajosos e apressados, por um atalho por eles criado – transformaram com os seus passos repetidos, um espaço que seria de relva, em carreiro ou caminho.
No Verão tudo mudava. Em vários tons de verde refulgiam árvores, arbustos e relvas, chilreavam pássaros, zumbiam abelhas e vespas.
Regressava de tarde a brigada dos reformados, substituídos quando anoitecia pelos adolescentes rebeldes, com pontas de cigarros e bebidas compradas no supermercado. Assemelhavam-se os dois grupos nos seus elementos, os que contavam histórias e os que sobretudo ouviam.
Na hora do almoço, estudantes e trabalhadores dividiam os bancos e as sombras, para desembrulharem as merendas, abrirem lancheiras ou devorarem lanches comprados quentes no Café da esquina.
Ao fim-de-semana vinham passear para lá namorados e pais com meninos pequenos, ainda sem telemóvel, para que apanhassem sol. Um deles com sete anos sérios era o Paulo, disléxico e hiperactivo, ainda não se integrara na escola, não percebia o que os pais queriam quando lhe diziam para brincar ali.
Num dia de sol apareceu por lá um cãozinho. Jovem e esperto, fugia de todos, dos reformados e adolescentes, estudantes e trabalhadores. Apesar do seu curto passado. alguns pontapés tinham-no deixado meio assustado.
No sábado seguinte, Paulo e o cãozinho, baptizado depois pelo primeiro, Rob, descobriram-se um ao outro.
Rob, pela primeira vez desde que ali chegara, confiou em alguém. Paulo conseguiu que os pais o aceitassem.
E descobriu como brincar. Com o Rob, claro.

6 comentários: