Ou talvez me pareçam
apenas igualmente felizes as famílias que desconheço porque se me aproximo,
descubro as suas desgraças, pressinto os seus sórdidos segredos. Infelizes à
sua maneira, iguais na desgraça.
Não tenho memórias da
minha mãe. Dela restava em casa um único retrato, relegado para um lugar
escondido e escuro da Biblioteca, apenas poupado a armazenamento no sótão ou à
destruição, por ser de um pintor famoso. Olhava-me bela, desafiadora e
desconhecida. Não parecia maternal, não a conseguia ver como uma mãe, a minha
mãe, do meu irmão, ou de quem fosse.
Cresci numa casa fria,
na qual não havia espaço para demonstrações de afecto, pensando que a culpa era
minha, que não merecia ser amada. Só mais tarde vim a saber que aqueles que
acreditava serem pai, avó e tias, não o eram, e inclusive o meu indiferente
irmão mais velho era somente meio-irmão. A nossa mãe deixou o marido e o filho
por uma paixão, e desta, apenas sobrei eu. Ela morreu – cobardemente atirou-se
para debaixo de um combóio, e ele, o meu pai biológico, não me quis,
entregou-me à família do marido traído. Não sei como me acolheram. Talvez
esperassem que me pudesse vir a parecer com ela para se vingarem então em mim
do que já não podiam fazer-lhe a ela. Não tiveram sorte. Cresci parecida com o
traidor sem a beleza da minha mãe, e ainda mais detestada por isso. Tornei-me
perita na imobilidade e silêncio para passar despercebida enquanto desenvolvia
as minhas capacidades de observação. Assisti a paixões efémeras, vi como mesmo
em casamentos combinados, especialmente as mulheres, se iludem, atraiçoam e
decepcionam.
O meu falso pai quer
casar-me.
Eu quero viver! Sem
famílias.
Gostei de ler, Gabi. Continuo a pensar que escreve muito bem.
ResponderEliminarAbraço e bom fim-de-semana