quarta-feira, abril 06, 2016

Post 5558 - 07/10 - No jardim

 Escrevo um texto enquanto vejo os meus dois filhos a brincar. São ainda crianças, cinco e seis anos, Afonso e Beatriz. Na verdade só têm onze meses de diferença. São quase como gémeos. Estava ainda a amamentar a Beatriz quando fiquei de novo grávida. Primeiro pensei que havia algo de errado. O enjoo, a pressão na barriga, não associei a nova gravidez, julguei que estava doente, que ia morrer.
Mas foi bom assim, fiquei com um casalinho.
Olho para eles como se olhasse para um espelho e imagino que também me vejo a mim, a escrever. Estamos num jardim, perto de casa, eles correm na relva a brincarem ao apanha-me, eu escrevo, sentada à mesa para piqueniques, num banco de pedra. O sol ilumina a relva, ouço-os a rir, mas estou na sombra, sinto frio, e deixo de os ver, como se alguém tivesse atirado uma pedra ao seu reflexo na água.
Este momento terá existido de verdade?
Olho para as minhas mãos torcidas pela artrite, com as veias marcadas.
Estou sentada numa sala perto da janela. Algures há uma televisão em surdina. Não sei muito sobre este presente. Fogem‑me as palavras. Enervo-me quando me fazem perguntas. Uma mulher de meia-idade sentou-se à minha frente e estava a falar algo. Não a ouvi, mas percebo pelo seu olhar que espera que lhe responda. Não sei qual foi a pergunta. Ela insiste, “lembra-se de mim?”
Quero que me deixe em paz. Olho-a e respondo-lhe que sim, mas não a reconheço, embora se pareça um pouco com a minha mãe. E é essa a palavra que a ouço depois dizer, num suspiro, “oh, mãe.”
Prefiro regressar ao jardim e volto a ver os meus filhos. Chamam por mim. Decido ir ter com eles e paro de escrever.


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