Chovia e trovejava, o
vento a assobiar, abanava as paredes da velha casa, levava as portas a abrirem-se
ou a fecharem-se com estrondo. Rafael saiu levemente contrariado por deixar a
mulher Anita sozinha, no final de uma gravidez complicada, o corpo magro
deformado pela grande barriga. Sabia que era injusto mas ressentia-se daquela
criatura que parecia sugar-lhe toda a energia e vida.
Cá fora, o carro não
pegou logo. Qualquer dia ainda teria de lhe mudar a bateria. Teve de ligar as
luzes porque estava ainda muito escuro. Nas ruas viu o resultado do temporal
nas árvores despidas, folhas e ramos caídos. Alguns peões lutavam em vão contra
os guarda-chuvas virados pelo vento.
Durante a manhã
distraiu-se com o trabalho, mas antes da hora do almoço recebeu uma chamada
inesperada da casa. Apesar de ainda faltarem quinze dias para a data prevista,
tinha chegado a hora. Saiu disparado. Só encontrava condutores lentos à sua
frente. Ele que nunca buzinava, fê-lo várias vezes. Quando chegou, a Anita
estava à sua espera, sentada no banco da entrada, o rosto muito branco. Lembrou-o
para ir buscar a mala preparada com antecedência. Ajudou-a a sentar-se no banco
a seu lado no carro e a colocar o cinto sobre a enorme barriga, e iniciaram o
caminho para o hospital. Ficava perto, mas parecia que nunca mais chegavam. Enervou-se
e não buzinou porque queria dar a ideia à Anita que estava tudo controlado, mas
quando ela começou com contracções quase perdia a cabeça. Foi então que o carro
foi abaixo. O problema poderia não ser afinal a bateria, mas não havia forma de
voltar a pegar. Saiu para à rua em pânico. Felizmente parou uma carrinha de
caixa aberta. Aceitaram levá-los. A Anita, foi à frente, entre o condutor e a
mulher deste. Ele veio atrás, agarrado à mala e a segurar-se meio de lado, à
chuva, até que chegaram. Quase a carregou juntamente com a mala pelas urgências
dentro. Porque era um Hospital pequeno ou porque o temporal levara a que grande
parte dos habituais pacientes ficasse em casa, estava quase vazia. Levaram a
Anita para dentro já numa maca. Ficou à espera, a sentir-se molhado e só,
enquanto a preparavam. O bebé estava atravessado, não tinha completado a volta
e ela não estava a fazer a dilatação. A obstetra optou pela cesariana. Até a
levarem para a sala foi mais uma eternidade, não sabia o que lhe dizer. Via que
ela estava com dores e com medo. Só lhe soube dizer que a amava.
Cerca de meia hora
depois vieram dizer-lhe que era pai. Quis ver primeiro a Anita, ainda sobre o
efeito da anestesia, descansava finalmente. Parecia muito jovem e feliz. Depois
levaram-no a ver o bebé. Já limpo e embrulhado num lençol azul. Pareceu‑lhe um
bebe igual a tantos outros. Sentou-se ao pé do seu berço, estendeu a sua mão
até à mão minúscula do bebé que agarrou um dos seus dedos.
Nessa altura percebeu
que nada a partir dali seria igual porque naquele dia de loucos tinha nascido o
seu filho.
Muito giro ... Adorei ... Parabéns!!!
ResponderEliminarbjs
Pizza Boy
Obrigada Pizza Boy :)
ResponderEliminarum beijinho
Uma ternura de texto...aquece a alma de quem o lê.
ResponderEliminarBeijinhos.
Obrigada Mona Lisa, o comentário aqueceu-me a mim :)
Eliminarum beijinho
Lembra-me uma cena do filme Lost in Translation em que as personagens falam sobre filhos e ele diz: Life as you know it is completely changed. Nothing will be the same any more.
ResponderEliminarBoa semana
Eu vi o filme, mas não lembrava dessa frase - se calhar foi o meu subconsciente que a guardou :)
Eliminaruma boa semana também e um beijinho
Gábi
Que linda estória! Um pequeno milagre! Bjs
ResponderEliminarObrigada por teres lido MAG e pelo incentivo :)
ResponderEliminarum beijinho