segunda-feira, janeiro 04, 2016

Post 5363 - 5/10 Diálogo

Luzes de presença em jogo de sombras, no silêncio meio interrompido pelos passos abafados de solas de borracha.
O som das campainhas substituído nos corredores pelas luzes vermelhas sobre a porta dos quartos.
Não se ouvem gritos. Palavras, gemidos e medos estarão contidos nos quartos.
O tumor foi detectado num exame de rotina. Nem teve tempo de pensar enquanto tratava dos assuntos prementes, a substituição no trabalho e o internamento. Chegou de manhã em jejum. Vestiu uma espécie de bata. Raparam-lhe a barriga. Levaram-no para a sala fria da cirurgia onde perdeu consciência e caiu num sono pesado como não se lembrava de alguma vez ter tido. No recobro, perguntaram-lhe o nome e levaram-no de volta ao quarto. Era preciso esperar pelos resultados do laboratório e investigar se haveria metástases noutros órgãos.
Dor dormente graças à droga que lhe tinham dado, mas desperto, deu-lhe para pensar na vida. Ateu convicto, pela primeira vez confrontado com a sua mortalidade, não conseguia descansar. Levantou-se da cama, agarrado ao soro, saiu para o corredor e sentou-se perto de uma janela.
Apercebeu-me que alguém se sentava ao seu lado. Mais tarde não seria capaz de o descrever, sem dúvida pelo seu estado.
- De que tens medo, Pedro?
Estranhou que soubesse o seu nome, mas respondeu-lhe:
- Do fim. Ainda tenho tanto para fazer.
- Não vai ser agora, tens muitos anos à tua frente, mas devias repensar o que tens para fazer, o que é realmente importante.
- Como o que é realmente importante?
- Tens vivido para o trabalho, os teus pais já morreram, não tens mulher, filhos ou amigos íntimos, nada costumas fazer pelo teu próximo.
Pedro sentiu-se de repente cansado. Regressou ao quarto sem se despedir.
No dia seguinte apresentou queixa contra o Emanuel mas ninguém soube dizer‑lhe quem era.


4 comentários:

  1. Obrigada MariaXL :)
    hoje estava a precisar de um incentivo :)
    um beijinho

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  2. Muito bom Gábi. Gostava de dizer que só te critico construtivamente porque sei que do outro lado está uma grande escritora, caso contrário não o faria. Gostava que um dia te libertasses da ficção e escreves algo pessoal sobre ti, de forma sintética e introspectiva.

    Beijinhos :)

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  3. Eu sei David (quanto à crítica construtiva) e por isso dou muito valor às tuas críticas - escrever e "publicar" aqui, gostaria que fosse uma forma de melhorar como escrevo e é por isso que aprecio muito a ajuda que me dás, lendo e dizendo-me o que pensas
    (já quanto à grande escritora, para já, ainda não me qualifico como escritora sequer pequenina :) e sobre o escrever algo pessoal, David, às vezes é como um jogo colocar algo de mim em alguns dos textos - e tenho um diário chato ou vários diários - ainda guardo o que comecei aos 10 anos :)
    um beijinho e obrigada

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