23 de Dezembro
Naquele ano calhou a uma
quarta-feira. Com a antecedência necessária numa semana em que jantares assim
se sucedem por todo o lado, foi marcado o Jantar de Natal da empresa, num
restaurante perto, que habitualmente escolhiam para jantares das festividades
ou de despedidas. Nestes dias, parece que todos os restaurantes, sejam mais ou menos
chiques, ficam cheios e são invadidos por grupos animados e barulhentos, não
faltando os brindes para aquecer.
Ana, caprichou no
vestido, mesmo dizendo para si própria que nada ia suceder. Contudo, bem no
fundo tinha uma pequena esperança de que não fosse assim. E o vestido comprado
na Mango, a imitar veludo e decotado, nem foi caro. No caminho, apesar das
temperaturas baixas, não sentia frio e deixou‑se encantar com as iluminações
das ruas, como quando era criança e eram as luzes que associava à cidade.
Ficou ao pé do Pedro que
chegou atrasado. Ela esperou por ele. Sentaram-se na ponta da mesa, por serem
dos mais jovens em idade e nos contratos. Primeiro seguiam e participavam na
animação dos demais. Todavia a certa altura, o diálogo e as brincadeiras
foram-se restringindo mais aos dois. O Pedro provocava‑a, atirando‑lhe migalhas
de pão para o vestido. A conversa dos restantes, na altura, sobre as medidas de
austeridade, a crise económica e política, soava-lhes cada vez mais distante.
Para a sobremesa, no restaurante ofereceram fatias de bolo-rei e brindaram com vinho do Porto. No final do jantar, nas despedidas à porta, dividiam-se os que iam
para casa e os que falavam em ir tomar um copo. Antes de ter tempo para pensar
no que fazer, o Pedro segurou a sua mão e soube nesse momento que iria para
onde ele fosse.
24 de Dezembro
Frio e chuva. Centros
Comerciais cheios, na sua maioria de pessoas apressadas, muitas com sacos de
compras de prendas. Parques e acessos cheios de condutores stressados com ar de
serem capazes de assassinar quem lhe tente passar à frente.
Pelas 18.00 horas do dia
24, os carros e as pessoas começam a desaparecer. Encerram as lojas,
supermercados e cafés. Um permanece aberto, mas quase vazio. Há quem tenha de
ficar a trabalhar: nos hospitais, esquadras e farmácias. Calha mais vezes essa
sorte a quem não tem filhos pequenos.
Numa bomba de gasolina,
um sem abrigo bebe um café pago com a boa vontade de um último cliente.
Lá fora é noite e parece
mais escura porque vazia de gente.
Rui disse aos colegas de
trabalho que iria ficar em casa de uma tia da aldeia. A essa tia inventada não
teve de dizer nada.
Saiu do trabalho mais
cedo, pela tolerância de ponto, que aproveitou para comprar amendoins e um
frango do churrasco. Não quis assistir à agitação das últimas compras e foi
para casa. Ligou e desligou a televisão porque a agitação no écran de tanta
alegria ou melhor, animação, o deprimia. Aproveitou para tirar a roupa da
máquina e passar a ferro a que já estava seca. Aqueceu o frango no micro-ondas
e na altura da ceia, cedeu à televisão, mais para o barulho lhe fazer
companhia.
Foi-se deitar agarrado a
um livro que não lhe interessava ler e com a sorte de estar com sono,
adormeceu.
24 e 25 de Dezembro
O tempo tinha passado a
correr. Saiu do emprego mais cedo, passou pela mercearia onde deixara reservada
a penca, correu para casa, mudou de roupa e foi para a cozinha.
O Paulo voltou da casa
do colega Duarte, no 3º andar do mesmo prédio onde moravam, e foi ver televisão
para o quarto. Estava a crescer muito depressa, as calças ficavam-lhe curtas
quase logo a seguir a descer-lhe as bainhas. O Manuel chegou pouco depois com a
mãe dele, a sua santa sogra, a Dona Emília. Queria ter tido as coisas um pouco mais
adiantadas, mas não conseguiu, e assim teve de ouvir os palpites da D. Emília,
sobre como deveria ter demolhado o bacalhau, cozinhado o arroz doce, etc.
Tentou pensar em que era Natal, em como a sua sogra, viúva há vinte e dois
anos, vivia sozinha durante todo o ano, com o único filho, o Manuel,
normalmente muito ocupado para a ir visitar. Conseguiu quase estar só a ouvir,
sem responder.
Quando finalmente se
sentaram os quatro à mesa, já eram nove horas e lembrou-se de pensar que pelo
menos faltava pouco para o dia terminar. Durante o jantar, o Manel pouco falou,
não querendo desagradar à mãe, nem a ela, evitou manifestar‑se sobre qual das duas
cozinharia melhor o bacalhau, as filhoses e o arroz doce. A D. Emília voltou a
contar como era o Natal no seu tempo, revelou que apenas trouxera uma prenda
para o Paulinho, que agradeceu o par de meias, enquanto trocava sms com a
namorada, e protestou depois estar constipado para não os acompanhar à missa do
galo. Já tinham dado a prenda deles ao filho, o telemóvel escolhido por ele.
Sabia que não estava a chocar nenhum resfriado, mas desculpou-o por não querer
vir com eles, com acontecia quando era pequeno. Agora adolescente tinha outros
interesses próprios da sua idade, ligados aos amigos e à namorada,
Assim, foram só os três
à missa, bem agasalhados. Cumprimentaram os vizinhos e conhecidos, também da
sua idade, que encontraram na Igreja e pelo caminho. Pouco ouviu do sermão, já
a planear em como aproveitaria o feriado no dia seguinte para os seus afazeres.
Felizmente tinha-se lembrado de levar uma dádiva, e depois em casa não se
esqueceu de trazer o menino Jesus de volta para o presépio. O Manuel foi levar
a mãe a casa. Deitou-se tão cansada que nem ouviu quando regressou, mas sentiu
quando depois de se despir, ele se meteu na cama, frio da noite, e pesado. Ele
virou-se para lhe dar um beijo e disse-lhe: “o teu arroz doce é o melhor”.
Tem continuação!??? Apetecia-me....arroz doce!!!
ResponderEliminarTem continuação!??? Apetecia-me....arroz doce!!!
ResponderEliminar:) Obrigada Marina por teres lido e pelo incentivo a continuar
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Que estórias lindas!!! Adorei :)
ResponderEliminar