terça-feira, novembro 24, 2015

Post 5260 Natal

23 de Dezembro
Naquele ano calhou a uma quarta-feira. Com a antecedência necessária numa semana em que jantares assim se sucedem por todo o lado, foi marcado o Jantar de Natal da empresa, num restaurante perto, que habitualmente escolhiam para jantares das festividades ou de despedidas. Nestes dias, parece que todos os restaurantes, sejam mais ou menos chiques, ficam cheios e são invadidos por grupos animados e barulhentos, não faltando os brindes para aquecer.
Ana, caprichou no vestido, mesmo dizendo para si própria que nada ia suceder. Contudo, bem no fundo tinha uma pequena esperança de que não fosse assim. E o vestido comprado na Mango, a imitar veludo e decotado, nem foi caro. No caminho, apesar das temperaturas baixas, não sentia frio e deixou‑se encantar com as iluminações das ruas, como quando era criança e eram as luzes que associava à cidade.
Ficou ao pé do Pedro que chegou atrasado. Ela esperou por ele. Sentaram-se na ponta da mesa, por serem dos mais jovens em idade e nos contratos. Primeiro seguiam e participavam na animação dos demais. Todavia a certa altura, o diálogo e as brincadeiras foram-se restringindo mais aos dois. O Pedro provocava‑a, atirando‑lhe migalhas de pão para o vestido. A conversa dos restantes, na altura, sobre as medidas de austeridade, a crise económica e política, soava-lhes cada vez mais distante. Para a sobremesa, no restaurante ofereceram fatias de bolo-rei e brindaram com vinho do Porto. No final do jantar, nas despedidas à porta, dividiam-se os que iam para casa e os que falavam em ir tomar um copo. Antes de ter tempo para pensar no que fazer, o Pedro segurou a sua mão e soube nesse momento que iria para onde ele fosse.

24 de Dezembro
Frio e chuva. Centros Comerciais cheios, na sua maioria de pessoas apressadas, muitas com sacos de compras de prendas. Parques e acessos cheios de condutores stressados com ar de serem capazes de assassinar quem lhe tente passar à frente.
Pelas 18.00 horas do dia 24, os carros e as pessoas começam a desaparecer. Encerram as lojas, supermercados e cafés. Um permanece aberto, mas quase vazio. Há quem tenha de ficar a trabalhar: nos hospitais, esquadras e farmácias. Calha mais vezes essa sorte a quem não tem filhos pequenos.
Numa bomba de gasolina, um sem abrigo bebe um café pago com a boa vontade de um último cliente.
Lá fora é noite e parece mais escura porque vazia de gente.
Rui disse aos colegas de trabalho que iria ficar em casa de uma tia da aldeia. A essa tia inventada não teve de dizer nada.
Saiu do trabalho mais cedo, pela tolerância de ponto, que aproveitou para comprar amendoins e um frango do churrasco. Não quis assistir à agitação das últimas compras e foi para casa. Ligou e desligou a televisão porque a agitação no écran de tanta alegria ou melhor, animação, o deprimia. Aproveitou para tirar a roupa da máquina e passar a ferro a que já estava seca. Aqueceu o frango no micro-ondas e na altura da ceia, cedeu à televisão, mais para o barulho lhe fazer companhia.
Foi-se deitar agarrado a um livro que não lhe interessava ler e com a sorte de estar com sono, adormeceu.


24 e 25 de Dezembro
O tempo tinha passado a correr. Saiu do emprego mais cedo, passou pela mercearia onde deixara reservada a penca, correu para casa, mudou de roupa e foi para a cozinha.
O Paulo voltou da casa do colega Duarte, no 3º andar do mesmo prédio onde moravam, e foi ver televisão para o quarto. Estava a crescer muito depressa, as calças ficavam-lhe curtas quase logo a seguir a descer-lhe as bainhas. O Manuel chegou pouco depois com a mãe dele, a sua santa sogra, a Dona Emília. Queria ter tido as coisas um pouco mais adiantadas, mas não conseguiu, e assim teve de ouvir os palpites da D. Emília, sobre como deveria ter demolhado o bacalhau, cozinhado o arroz doce, etc. Tentou pensar em que era Natal, em como a sua sogra, viúva há vinte e dois anos, vivia sozinha durante todo o ano, com o único filho, o Manuel, normalmente muito ocupado para a ir visitar. Conseguiu quase estar só a ouvir, sem responder.
Quando finalmente se sentaram os quatro à mesa, já eram nove horas e lembrou-se de pensar que pelo menos faltava pouco para o dia terminar. Durante o jantar, o Manel pouco falou, não querendo desagradar à mãe, nem a ela, evitou manifestar‑se sobre qual das duas cozinharia melhor o bacalhau, as filhoses e o arroz doce. A D. Emília voltou a contar como era o Natal no seu tempo, revelou que apenas trouxera uma prenda para o Paulinho, que agradeceu o par de meias, enquanto trocava sms com a namorada, e protestou depois estar constipado para não os acompanhar à missa do galo. Já tinham dado a prenda deles ao filho, o telemóvel escolhido por ele. Sabia que não estava a chocar nenhum resfriado, mas desculpou-o por não querer vir com eles, com acontecia quando era pequeno. Agora adolescente tinha outros interesses próprios da sua idade, ligados aos amigos e à namorada,
Assim, foram só os três à missa, bem agasalhados. Cumprimentaram os vizinhos e conhecidos, também da sua idade, que encontraram na Igreja e pelo caminho. Pouco ouviu do sermão, já a planear em como aproveitaria o feriado no dia seguinte para os seus afazeres. Felizmente tinha-se lembrado de levar uma dádiva, e depois em casa não se esqueceu de trazer o menino Jesus de volta para o presépio. O Manuel foi levar a mãe a casa. Deitou-se tão cansada que nem ouviu quando regressou, mas sentiu quando depois de se despir, ele se meteu na cama, frio da noite, e pesado. Ele virou-se para lhe dar um beijo e disse-lhe: “o teu arroz doce é o melhor”. 



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