domingo, junho 28, 2015

Post 4891 Luís Falcão

Depois de ter lido no jornal, procurei no Google:


"Estávamos juntos
mas o meu coração afastava-se em silêncio
como se esperasse a chegada da neve ou de Deus"

Luís Falcão




pétalas negras ardem nos teus olhos
eu tinha meus pés naquela parte da vida
onde não se pode ir com intenção de regressar


dante allighieri, in 'vita nuova'

ocupei o dia com pequenas tarefas
para silenciar um pedido uma súplica
(..)
esperando que um vento frio
dispa de folhas todos os ramos

um dia hei-de pensar no teu rosto
com um dedo que feche pálpebras
e direi
extinguiu-se a minha adoração
e nunca mais procurarei
os vestígios dos teus passos no mundo

percebo demasiado tarde
que a vida é apenas isto
um lugar de abandono
com ciprestes na beira da estrada

nunca foi diferente, por meu, tenho apenas
o vento de outono, as tílias destruídas
e a dolorosa certeza de em tudo ter falhado

quando te afastas
uma fina poeira de gelo
cobre os ramos de todas as árvores
e delicadamente
atravessas os destroços
em que deixas tudo o que amaste

não te demores no meu rosto
habita-o uma despedida
um mundo de onde Deus se ausentou

não sei dizer de onde chegam as tuas mãos
mas essa luz não pertence a este mundo
só dedos assim tão finos
poderiam penetrar a espessura da noite
trazendo ainda frescas umas gotas da manhã

sentir o cair das folhas
como uma advertência íntima
o primeiro passo para um encontro
um regresso ao coração

a primavera prossegue
com outras palavras
o discurso ruinoso do inverno

estávamos juntos
mas o meu coração afastava-se em silêncio
como se esperasse a chegada da neve ou de Deus

fizeste da tua vida
uma catedral abandonada
horas esquecidas
em adoração nocturna
pedindo silêncio
a tudo o que perdeste

(..)
o mundo inteiro irreconhecível
o amor a arder por entre as rosas

a chuva no teu rosto é um milagre de cristais
não conheço um relâmpago que não nasça nos teus olhos

a minha vida
caindo
como neve na escuridão

(..)
caminhamos para o silêncio
e para a escuridão indefinível dos bosques


luis falcão, in 'pétalas negras ardem nos teus olhos'
editora assírio & alvim, 2007

Sem comentários:

Enviar um comentário