Primeiro Amor
Com dezassete anos Anya já sabia que não existia o amor.
Não passava de uma invenção para seduzir mulheres ingénuas e vender livros de
romances. Existia a paixão e a amizade, e um jogo de sedutores e iludidos, em
que apesar de toda a evolução nos costumes, os homens queriam acumular
conquistas e as mulheres arranjar um marido.
Tinha planeado o seu futuro, continuar os estudos,
licenciar-se, começar a trabalhar, ser independente, ter bons amigos e viajar.
Não pensava constituir família, talvez um dia ter um filho, um marido
definitivamente, não.
A sua forma esclarecida de pensar adviera-lhe dos livros
que sempre encontrara acessíveis e sem censura, em casa e nas bibliotecas.
No entanto, nos últimos tempos, começara a sentir-se
ultrapassada por algumas colegas. As mesmas que olhava antes com alguma
superioridade porque se envolviam em namoricos dizendo-se apaixonadas. De
repente, essas colegas tinham experimentado na prática aquilo que ela apenas
conhecia dos livros e Anya detestava essa sensação de estar a ficar para trás,
de ignorar o que para as outras era básico. Foi por isso que decidiu passar
também pela prática, ter uma experiência que lhe desse esse conhecimento e
deixar a questão arrumada.
Sabia que era bonita e desejável pelos piropos e olhares
com que apanhava desde os onze anos, ainda nem tinha peito. Clara de pele,
olhos e cabelos castanhos, feições correctas, alta para a média, e magra.
Não queria escolher um dos homens mais velhos que paravam
para a olhar, pareciam-lhe vagamente repulsivos e assustadores. Queria uma
situação que pudesse controlar, ter o comportamento que muitos
consideravam próprio do género masculino, ter uma única experiência, sem
ligações emocionais e sem repetições.
Lembrou-se de um colega do liceu, o Filipe. Era dos bons
alunos, bom também no desporto, mas não dos extrovertidos e populares, antes
alguém que aqueles incluíam no seu grupo e respeitavam.
Nunca tinham trocado uma palavra. Se com os outros já não
falava muito, com ela parecia não ser capaz de dizer nada. Uma vez, num
intervalo sentara-se mesmo ao seu lado, quando muitos outros lugares estavam
livres. O que confirmou o que ela suspeitava. A sua incapacidade de falar com
ela, o ter-se vindo sentar ao seu lado, sucediam porque a achava gira.
Planeou todos os detalhes. Um dia em que apenas tinham
aulas de manhã, interpelou-o quando saíam da escola. Perguntou-lhe se não
queria estudar com ela para um teste. Ele aderiu logo. Tinha olhos azuis
escuros e era alto. Olhá-lo, descobrir a cor dos olhos dele em que antes não
reparara - tinha pensado que eram castanhos - fez com que se sentisse um pouco
insegura, mas disfarçou. Tudo começava a parecer muito real.
Combinaram ir para casa dele porque morava perto.
Para se manter no controle da situação, foi conversando com
ele sobre a matéria que tinham de estudar. Quando o interpelava, também ele
parecia levemente nervoso, mas respondia-lhe de forma assertiva, mostrando que
dominava a matéria. Devia estar convencido que o que ela queria era mesmo
estudar, preparar-se para o teste.
Chegaram rapidamente a casa dos pais dele, ele morava mesmo
perto, a poucos metros da escola. Uma casa bonita, com gradeamento e jardim.
Ele abriu o portão e depois a porta, explicou-lhe que os pais apenas voltavam
ao final do dia e iria só dizer à empregada que tinha chegado. Ela
pensou, caramba deves ser rico, ou antes, os teus pais, com esta casa e
empregada, mas que não deixaria que isso a intimidasse.
Ele perguntou-lhe se iria querer comer alguma coisa,
disse-lhe que poderiam ir para a sala, e ela interrompeu-o para lhe dizer que
preferia o quarto, para não serem interrompidos.
Subiram as escadas, e entraram no quarto dele.
Surpreendeu-a que estivesse bem arrumado. Havia só alguma
roupa sobre a cama e ele corou e enfiou-a num armário. Tinha uma secretária e
uma estante com livros, mas ela sentou-se na cama. A persiana estava meio
descida como protecção do sol do início da tarde. Ela tinha um vestido curto e
sentiu a frieza da colcha nas pernas quentes do sol lá fora. Olhou para ele,
Parecia mais alto por estar de pé, tão perto, com ela sentada. Fez-lhe um gesto
para que se sentasse ao seu lado, e ele fê-lo.
Parecia-lhe meio espantado. De novo, ele ficou em silêncio,
não saberia o que dizer. Anya também não sabia muito bem o que fazer ou dizer.
Estavam muito perto. Sentia o calor que vinha do corpo dele, o cheio de
transpiração num corpo limpo. Resolveu beijá-lo, torcendo para que ele não se
desviasse ou chocassem. Foi-se aproximando, olhando-o nos olhos e só fechou os
seus segundos antes dos seus lábios tocarem nos dele. Eram macios e quentes e o
seu hálito sabia a morango de pastilha elástica. Anya pensou se os seus
saberiam à sandes de fiambre e à maça que tinham sido o seu almoço. Foi o seu
primeiro beijo na boca.
Voltou a olhá-lo nos olhos, parecia agradado com o que
estavam a fazer, interrogou-se sobre ele teria correspondido ao seu beijo,
quando ele tomou a iniciativa e a beijou, e entreabriu os lábios. Beijar assim
até era bom.
Parou-o para tirar o seu vestido pela cabeça, ficando de
sutiã e calcinhas rosa, escolhidos de propósito para a ocasião. Olhou-o em
desafio e ele rapidamente tirou a tshirt, parecendo nunca ter deixado de a
olhar enquanto o fazia.
Era mais branco do que pensara, nos braços notava-se os
músculos e a marca do sol até à manga curta, delineava-lhe o torso. Apesar do
calor lá fora, no quarto estava fresco e procurou abrigo no aconchego quente
dos seus braços. Sentia-se dividida em duas, uma beijava, era beijada,
abraçada, tocada e tocava, a outra como que observada o que se passava e
pensava, será que é assim, será que é agora. Ele não conseguia abrir‑lhe o
sutiã e foi ela que o fez, ele tirou as calças de ganga e ficou de boxers,
tinha pernas fortes e com pêlos louros.
A parte dela que observava e pensava no que estava a fazer,
perguntou-lhe "tens um preservativo?" Ele pareceu meio perdido, mas
depois respondeu-lhe "no quarto do meu irmão". Anya nem sabia que ele
tinha um irmão.
O Filipe levantou-se e voltou num instante. Com ele ainda
de pé, ela lembrou-se de lhe pedir também uma toalha, não queria sujar a cama
se sangrasse, mas quando lhe disse para que era a toalha, ele ficou de
repente muito sério.
Virou-se de costas e quando de novo se virou para ela,
parecia decidido e um pouco aborrecido "a nossa primeira vez não pode ser
assim".
Que nossa? foi o que pensou responder-lhe.
De repente ficou muito zangada e só um pouco aliviada. O
idiota estava a desprezá-la, a acabar com o seu plano. Apertou o sutiã, vestiu
o vestido, agarrou na carteira, e enquanto calçava as sandálias, e se dirigia
para a porta, gritou-lhe: " a minha primeira vez não será contigo, mas com
outro, idiota" e teve o prazer de o ver tropeçar nas calças de ganga que estava
a enfiar, antes de sair a correr.
Depois, teve sorte, ao chegar à paragem, vinha o seu
autocarro, apanhou-o e não olhou para a retaguarda para saber se ele viria ou
não atrás dela.
No dia seguinte, a turma dele só teria uma aula com a dela,
no final da manhã.
No terceiro período foi falar com a professora, disse-lhe
que lhe doía a barriga.
Era boa aluna, das bem comportadas, que nunca faltava, e a
professora deixou-a sair mais cedo. Foi-se embora rapidamente, apenas um pouco
curiosa sobre se ele viria procurá-la.
Meteu-se o fim-de-semana, e na segunda-feira quando chegou
a aula, duas amigas vieram ter com ela, e disse-lhe a Emília "Olha o
Filipe veio à tua procura na sexta e ficou zangado quando soube que tinhas
saído mais cedo, o que é que lhe fizeste?". "Nada", respondeu,
não lhe fiz nada, mas atrás das amigas apareceu o Filipe e com ar zangado de
quem seria capaz de carregá-la, se se recusasse a ir com ele, "Temos de
conversar, tu e eu".
Consentiu e resolveu segui-lo para pôr um ponto final
naquela história.
Vieram cá para fora, atrás do pavilhão principal, num lugar
mais escondido. Ele parecia tão zangado que até pensou se iria bater-lhe,
aproximou-se e obrigou-a a olhar da baixo para cima, olhos nos olhos, e então
aproximou-se ainda mais e, em vez de lhe bater, beijou-a.
Ela sentiu de novo o calor do seu corpo, o seu cheiro, o
gosto da morango do seu beijo. Fechou os olhos e percebeu que sentira falta
dele e naquele instante a que estava de lado a observar fundiu-se na que
sentia. Quando voltou a abrir os olhos, ele já não parecia zangado e ela de
alguma forma tinha perdido o controle da situação. Ele disse‑lhe: "agora
és a minha namorada" e voltaram os dois de mãos dadas para a sala.
Gostei muito. As personagens estão bem caracterizadas. As suas emoções, hesitações e contradições estão bem descritas e penso que consegue transmitir bem ao leitor o que se passa no íntimo da peronagem feminina. Não é certamente um conto erótico, mas é um conto de amor muito bonito. Parabéns!
ResponderEliminarMuito obrigada Miss Smile por ter lido e pelas palavras, especialmente porque gosto muito do que escreve e de como escreve.
ResponderEliminarum beijinho
Gábi