Texto escrito durante a Oficina de Escrita

Construção da personagem

O Sr. Tomé disse para si mesmo enquanto afinava o bigode: “Tomé, hoje vai ser um bom dia para vender pão. Joga o Porto com o Benfica.” Já sabia que ali nas Antas não podia abrir o seu cachecol do Glorioso ou colocar uma bandeirinha. Na única vez que o fizera, uns animais cobardes tinham-lhe partido a montra com uma pedrada (uma confusão e um prejuízo, além do vidro, o pão que fora para o lixo). Mas isso não o impedia de torcer pelo Benfica.

Não ia ver o jogo porque na sua idade enervava-se muito e era duro estar rodeado de portistas a ver o Benfica perder…Coçou a careca enquanto pensava “vá lá, este ano ainda há esperança.”

Entrou uma senhora conhecida. “Então, Sr. Tomé vai ver o jogo?”. “Pela televisão D. Glória, são 12 de mistura como de costume?” A D. Marcolina entrou logo depois. Sentiu-se inspirado com o maior público. “Sabem as senhoras que…

Momento de viragem

A D. Marcolina aguardou que as outras senhoras saíssem para se aproximar e dizer-lhe baixinho: “Tomé, o Aníbal anda desconfiado.”

Olhou-a com atenção, para as olheiras sob os seus lindos olhos que primeiro o tinham cativado. Desde que a falecida o deixara, que Deus a tenha, nunca olhara para outra. Quer dizer, olhar, olhou, mas não passou disso. Com a Marcolina fora diferente. O marido, camionista de longo curso deixava-a muitas vezes sozinha e quanto regressava, maltratava-a. Ela começara primeiro a confiar-lhe os desabafos, depois, sabendo-o viúvo, oferecera-se para lhe fazer o jantar.

Pensou: “Agora basta. Vou ter de lidar com a situação e enfrentar-lhe o marido. Nem pensar em perder a Marcolina. E se o bruto não entender, vendo a Padaria e fujo com ela!”