terça-feira, fevereiro 19, 2008

Post exclusivamente para os hipotéticos eventuais leitores que ainda não esqueceram a questão: O que é que afinal terão então em comum os quadros...

Uma forma fácil de sair desta seria dizer simplesmente que são grandes quadros e pronto.
Mas, porque desconfio que se calhar não ficariam convencidos é melhor ir compulsar os meus apontamentos para me lembrar de qual era a minha ideia no início.
A Jangada de Medusa de Géricault encontra-se no Museu D'Orsay e representa uma jangada com alguns marinheiros moribundos enquanto outros olham o horizonte. Um ponto no horizonte diz-nos que alguém irá sobreviver.

Quando Géricault decidiu pintar este quadro, levou quase um ano para o fazer e rapou o cabelo para se impedir de sair de casa (depois da Revolução Francesa deixaram de se usar perucas, e aparecer de cabeça rapada era vergonhoso porque era associado a questões higiénicas).
O quadro tem por base uma história verdadeira. O navio que levava 400 pessoas naufragou por incompetência do Comandante e sobreviveram ao naufrágio cerca de 150, só que a zangada não dava para todos. Para subsistirem foi preciso diminuir o seu número e só os oficiais, estrategicamente no centro da jangada estavam armados, bem como recorrer ao canibalismo.
Nessa selecção seguiu-se a ordem de hierarquia da marinha, o que se revelou depois um problema político por estarmos numa época em que se viviam os ideais da revolução entre os quais a igualdade.
Géricaul falou com alguns dos sobreviventes que lhe contaram que o 1º sinal que tiveram que poderiam ser salvos foi uma borboleta branca que posou no mastro da jangada.
Géricault chegou a pintar a borboleta, mas esta tornava o quadro simbolista, pelo que a decidiu eliminar, ou seja cortou na veracidade com a realidade para ganhar veracidade na representação.


O quadro Demoiselles d' Avignon de Picasso teve primeiro outro nome: O bordel d' Avignon e inicialmente as figuras nele representadas eram as de três mulheres e dois homens (depois os dois homens "viraram" também mulheres).
As duas mulheres no meio são conhecidas como as espanholas (a qualidade figurativa que as leva a ser assim identificadas será o carrapito e o nariz em formato de quarto de brie (queijo francês), as outras são conhecidas como as africanas. Com este quadro assinala-se um novo ciclo na pintura que teve por base o interesse de Picasso em encontrar formas de representação que não fossem formas de representação do objecto, mas formas de representação da nossa relação com o objecto.
Já deverá ser pois evidente o que têm em comum os dois quadros.
A representação clássica da pintura partia de dois parâmetros: o ilusionismo enquanto aparelho técnico que gera imagens que nos convencem da sua veracidade e a suspensão da descrença (suspension of disbelief) - sabemos que não é verdadeiro, mas suspendemos a descrença para podermos aferir a obra e percebê-la em termos cognitivos.
No 1º quadro Géricault ao eliminar a borboleta cortou na veracidade com a realidade para ganhar veracidade na representação. No 2º quadro Picasso rompe com as regras clássicas da representação e oferece-nos pontos de vista múltiplos sobre o que representa.

11 comentários:

  1. Ora... eu sabia que era isso, mas tive vergonha de dizer... :-)))
    Beijinho.

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  2. Nunca chegaria lá!
    E muito menos de jangada... ;-)))
    Já me inscrevi no tal curso em Lisboa!
    Talvez dê notícias ou talvez não...

    Abraço

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  3. Gostei muito deste teu post. Um dos melhores que já escreveste. Continua a ir a todos os ateliês e a partilhar connosco, que aqui vou aprendendo contigo. Um beijinho.

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  4. Gabriela,

    As 12 palavras no Pequenas Coisas.

    Beijinhos.

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  5. Olá Tony :) Apesar disso, será que não gostaria de vir ao 2º módulo do curso? Aí podíamos ser colegas no curso :)
    um beijinho.



    Olá Rosa dos Ventos :)
    Pelo menos terás de contar se estás a gostar :)e o ideal mesmo seria escreveres sobre cada aula, já que eu não posso ir :(
    um beijinho



    Olá Cláudio :) obrigada amigo :)
    um grande beijinho para ti :)

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  6. Olá Berta Helena :) engraçado começámos a escrever aqui, quase na mesma altura... por isso é que só respondo agora :)
    A seguir vou espreitar
    um beijinho

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  7. Finalmente a ansiada resposta...
    De facto, eu conhecia a história do 1º quadro, que era "inspirado" no naufrágio. Desconhecia era essa da borboleta... está-se sempre a aprender.
    Continua a partilhar connosco estas coisas!
    Beijinho

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  8. Bolas...essa explicação é muito elaborada! Não chegaria lá nem daqui a 100 anos.
    Estamos sempre a aprender...

    beijinhos

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  9. quem chegaria lá?!?
    a borboleta já não está cá para contar o segredo a ninguém e os homens iam agora dizer-nos que picasso lhes mudou o sexo!!
    demasiado difícil este teu desafio, amiga redonda!

    beijinho

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  10. Gabi: teria um ENORME prazer em ser seu colega de curso. Mas o Porto fica tão longe...
    E o tempo é um bem tão escasso...
    Fico à espera de, uma destas quartas-feiras, me fazer uma visita no Palácio! E almoçar, que tal? :-)
    Beijinho saudoso.

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  11. Olá Nada Acontece :)
    Obrigada pelas tuas palavras :)
    um beijinho



    Olá Safira :) eu também não chegaria lá se não tivesse ido à aula :)
    um beijinho



    Bem, Pin Gente, a borboleta deve estar lá debaixo de um bocado de tinta :)sobre os homens é melhor não tentar adivinhar nada :)
    um beijinho



    O Porto fica pertíssimo Tony e o curso até é à quarta-feira e tudo!
    A hora do almoço é que é um bocadinho complicada porque nessa altura em princípio estarei por SJM :)
    um beijinho

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