segunda-feira, setembro 21, 2015

Post 5106 O Poder do Vício - 1ª tentativa

Ele tinha o vício do trabalho. Ela tinha o vício de gastar dinheiro. Foi um casamento feito no céu. Ele trabalhava. Ela gastava o dinheiro dele, com ela, com a casa e com ele. Assim, ele tinha sempre fatos e camisas de qualidade e na moda, para envergar, e quando regressava a casa, ao final do dia, encontrava um espaço acolhedor, onde por vezes ela também estava, embora às vezes já a dormir.
Mas, um dia, com a crise e a recessão económica foi despedido. “Teixeira, com grande pena nossa, temos de o deixar ir”. Ignoravam sem dúvida que ele fazia o trabalho de três, queriam reservar o lugar para o filho do primo do amigo, o Raul. Mais do que zangado, ficou espantado. Não estava à espera. Naquele dia chegou mais cedo a casa. Laura não estava. Foi‑se deitar antes que ela chegasse e foi a primeira vez que tal sucedeu durante todos os anos que tinham estado casados. E para continuar com as novidades, foi também ela que se levantou primeiro. Não reparou, ou não quis reparar que ele ainda lá estava e saiu para o Cabeleireiro. Ele percebeu. Voltou aos seus horários anteriores, saía cedo e procurava voltar tarde. Primeiro, procurou nova colocação. Enviou currículos, procurou antigos amigos e conhecidos, mas nada. Ter já passado dos quarenta não ajudou.
Passou a passar os seus dias no Centro Comercial. No café, lia o jornal, com a net grátis procurava ofertas de emprego com o seu Ipad. Passou a conhecer a empregada que o atendia, a Dores e alguns dos clientes. Com o valor da indemnização pelo despedimento poder-se-ia manter algum tempo, mas foi pensando que teria de dizer à mulher, sobretudo quando contemplava nos extractos da conta, os débitos das compras.
Como chegava um pouco mais cedo a casa, foi-se apercebendo de como raramente conversavam. Antes, conversariam sobre jantares de emprego, planos das férias dela – ele preferia ficar a trabalhar. Ela falava-lhe das suas aquisições e ele pouco ouvia. Agora, quando voltava para casa, parecia-lhe que ela o evitava, como querendo adiar qualquer explicação para a mudança de horário.
Até que um dia não pode esperar mais, contou à mulher que ficou muito calada, a ver a sua vida a andar para trás. Naquela noite, ela não lhe disse nada. No dia seguinte, esperou pela noite para lhe dizer que queria o divórcio e saiu ela de casa, com as malas que tinha já arranjadas quando ele chegou. Soube pouco depois que tinha ido para casa do Raul, com quem depois casou, continuando alegremente a gastar o dinheiro do marido, apenas agora com um marido diferente.

Ele descobriu novos vícios, o vício de ter tempo para ouvir os outros e ouvir-se a si próprio. Juntou-se com a Dores e passou a ajudá-la no café.

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