sexta-feira, janeiro 17, 2020

Post 7306 . Campeonato de Escrita (47?) 1/10

Estaria ali há minutos ou horas?
Escurecera mas ainda conseguia ver o extenso areal à sua frente, as ondas cinzentas num vai‑vem ritmado de avanços e recuos. Ouvia-as e ao vento, a famosa nortada.
Atrás de si as suas pegadas, tão solitárias como ele se sentia.
 Sentara-se ou deixara-se cair sobre a areia e ali ficara.
Com a mão esquerda apertava com força o envelope rasgado.
No bolso das calças a carta amarfanhada. Fora impressa, processada em word, impessoal.
Mas no envelope ela escrevera o seu nome e endereço com uma caneta de tinta azul.
A letra dela.
Acreditava que a reconheceria entre mil, as vogais redondas e infantis, as consoantes finas e meio desligadas.
Houve um tempo em que tinham trocado notas. Após os encontros breves em que o tempo voava, ela deixava-lhe papeizinhos amarelos com duas ou três frases, brincadeiras ou os mais sérios: “gosto de ti”, “é bom que não me esqueças”, “vê se me escreves”. Chegou a responder-lhe, mas a brincar. Escreveu uma vez num dos papéis apenas “escrevo-te”.
As notas dela faziam-no sorrir, aqueciam-no.
Queria tê-las guardado.
Não percebeu porque é que ela mudou. O que é que ele fez de mal, ou o que deveria ter feito e não fez. Talvez simplesmente o amor que ela dizia sentir por ele se tenha gasto.
A carta fora para ela o ponto final. Os últimos assuntos a tratar, para onde enviara as prendas e roupas. Dentro do envelope vinha também o duplicado da chave da casa dele.
Ele não aceitou. Ligou-lhe, mas ela não atendeu. Não lhe respondeu aos emails e às mensagens. Tentou forçar encontros, mas interpuseram-se amigos ou colegas: “Acabou. Aceita isso.”
Ali seria o seu ponto final.
Lançou a carta à água. Depois o envelope.
Disse para si mesmo: Acabou.
E foi-se embora.

Sem comentários:

Enviar um comentário