Cheguei e pousei a mala junto à entrada.
Tinha a chave no bolso, mas demorei a encontrá-la e a levá-la à fechadura.
Servia. Com um estalido, levantou a
lingueta e bastou um leve empurrão para que embora rangendo recuasse e
permitisse que entrasse.
Parei por instantes a habituar-me à diferença
na luminosidade. Ali imperava uma semi-obscuridade. Alguma luz irrompia pela
porta e pelas frinchas das janelas.
Pareceu‑me ver partículas de pó a
flutuarem no ar mesmo à minha frente e tossi. Pesava‑me aquela atmosfera de
casa velha, fechada há meses.
Tinha partido há anos e não levara comigo
aquela ou qualquer chave.
Na altura havia sempre alguém para me
abrir a porta.
Tudo parecia mais acanhado, os quartos e
os móveis.
Percorri os cómodos em passos largos.
Juntei algumas fotografias antigas, tirei-as de molduras ainda mais velhas e
desconjuntadas, e atirei-as para a mala. A meu pedido a roupa tinha sido dada e
enviaram-me os papéis importantes com a chave.
Não vi mais nada que quisesse levar
comigo, mas não procurei mais.
A educação que os meus pais se
sacrificaram para me dar, tinha-me afastado deles.
Há muito que não era a minha casa.
Ia vendê-la.
Saí e fechei a porta.
Cá fora, havia sol e calor.
Chamei o Miguel que quisera ficar cá fora
a brincar com um miúdo da mesma idade que tinha um cachorro.
Senti-me ao mesmo tempo um traidor e
aliviado quando voltámos para o carro.
Pensei, não querendo pensá-lo, que um
dia seria eu para o meu filho a velha casa.
É o ciclo da vida. E descreveu-o de forma magistral.
ResponderEliminarAbraço
Muito obrigada Elvira
Eliminarum abraço
É a vida... que ora nos aproxima, ora nos afasta dos que amamos!
ResponderEliminarBelíssimo texto, Gábi, que nos faz pensar!
Beijinhos! Logo mais, virei espreitar mais alguns posts, que se me escaparam ultimamente...
Ana
Muito obrigada Ana
Eliminarum beijinho