quinta-feira, junho 15, 2017

Post 6264 Para Concurso de Escrita - A minha vida dava um filme

A minha vida quando muito poderia dar um mini-conto bem chato, por isso, irei buscar inspiração para a minha vida dava um filme, à vida da minha avó materna, Manuela da Conceição Andrade Coelho.

Nasceu em Lisboa, a 17 de Junho de 1899, signo gémeos do Zodíaco, serpente no Horóscopo Chinês.  A sua mãe Luísa Barnabé era filha de um juiz, ficou à espera da filha sem ser casada e foi expulsa de casa pelo pai Juiz. A mãe dela e os irmãos visitavam-na às escondidas.
Sustentou-se a si e à filha como costureira. Desde manhã cedo até ao final do dia usava espartilho. Vestia também sob a saia, uma outra  azul escondida por ser monárquica.
O pai da minha avó, Joaquim Guilherme Andrade Coelho, professor de francês, perfilhou a filha, assim como tinha perfilhado uma filha mais velha, Laura Flávia e perfilhou depois o filho Vítor que teve com uma outra senhora. Não era adepto do casamento e só no final da vida é que casou com a mãe do último filho.
A minha avó teve uma educação esmerada, fez a 4ª classe, aprendeu  francês e a tocar piano, sabia cozinhar, coser, cerzir, tricotar e bordar (ensinou-nos ponto baixo, alto e de arroz, ponto de cruz e pé de flor) e morou com a sua mãe até aos dezassete anos, depois teve de ir morar para casa do pai, onde também residia a mãe deste.
Quando foi morar com o pai ele estranhou os "mimos" com que a mãe a tinha criado, frustrado com o facto dela não comer atirou-lhe com um prato (mas não lhe acertou).
A minha bisavó, sua mãe, morreu aos quarenta anos, penso que do coração, quando a minha avó tinha dezoito anos e ela fechou-se no quarto a chorar e sem comer durante dias.
Na casa do pai, a minha avó ia com a criada às compras e a minha trisavó, sua avó, reclamava depois que ao contrário dela, não sabia ser bem servida no Talho, tendo‑lhe retorquido a minha avó que isso sucedia porque o homem do Talho gostava dela. Foi uma tragédia, "caiu o Carmo e a Trindade" a minha trisavó gritou e queixou-se ao filho, que ela era viúva desde jovem e nunca mais tinha olhado sequer para homem nenhum.
A minha avó era muito bonita, tinha o cabelo muito escuro, olhos cinzentos e uma pele muito branca (a sua mãe Luísa Barnabé tinha o cabelo louro escuro e olhos azuis).
O meu bisavó, seu pai, dava-lhe pouco dinheiro para os seus alfinetes. Ela queria comprar um chapéu e ele dizia-lhe que usasse mantilha, que as senhoras de bem andavam com mantilha, aí ela arranjou emprego numa loja de roupa para senhoras, passava chapéus como modelo e conseguiu dinheiro para o chapéu.
Teve um primeiro noivo que era um rapaz rico e de boas famílias e morreu com uma pneumonia.
Ficou depois noiva de um rapaz que era oficial da marinha e tinha uns bigodes compridos.
Estava a fazer compras para o enxoval quando conheceu o meu avô, Eugénio Beltran Pepe.
O meu avô nasceu em Serpa, era o mais velho de vários irmãos. O seu pai, foi guarda fiscal e ganhava pouco, por isso com onze anos o meu avô foi trabalhar para uma loja em Castro Verde, até que a família se mudou para Algés e começou a trabalhar em Lisboa.
Era uma pessoa muito especial, tinha muitos amigos a quem era capaz de dar a camisa que vestia. Nas fotografias vejo-o como um ar simpático, bonito e para o louro. Devia ser um sedutor para ter conseguido arrebatar a minha avó e fazer com que deixasse o noivo número dois.
Casaram e tiveram um primeiro filho, Manuel, que morreu ao nascer. Depois tiveram uma menina de olhos azuis a quem chamaram Luísa. 
Uma das irmãs mais novas do meu avô, Valentina, contraiu  tuberculose - era jovem, bonita e gostava de cantar imitando cantores de ópera - e morreu com vinte e poucos anos. Antes de morrer infelizmente contagiou a sobrinha que teve meningite tuberculose. A minha avó tinha uns óculos especiais de protecção para estar com a filha quando se tentou salvá-la com radiação ultra-violeta. Não foi suficiente e a Luisinha morreu quando ainda não tinha dois anos de idade.
Depois tiveram a minha mãe, Eugénia que cresceu saudável, andou no colégio alemão e tinha tranças louras. O seu cabelo foi escurecendo e chocou as tias ao cortá-lo curto. Um dia conheceu o meu pai, transmontano a trabalhar então em Lisboa. Casaram e foram viver para o Norte. Tiveram três filhas que nasceram todas em Lisboa.
O meu avô morreu quando eu tinha seis meses. Pelo que me contaram, os meus avós eram diferentes mas completavam-se, gostaram sempre um do outro e eram muito amigos. 
Eu conhecia-a como  minha avó,  a vestir-se de escuro, com um carrapito, linda (de manhã penteava o cabelo comprido de prata e arranjava o carrapito). Contava-nos histórias, fazia-nos cafuné para que dormíssemos a sesta, dava-nos chi-corações - não havia nenhum abraço como o dela.
Íamos esperá-la à estação de S. Bento ou íamos ter com ela a Lisboa. A sua casa ficava na Avenida Duque de Ávila - um andar arrendado, o 1º esquerdo do nº86 (o prédio já não existe - naquele prédio os vizinhos eram amigos) com um corredor comprido cheio de coisas misteriosas para descobrirmos, como o cavalinho de pau guardado na despensa, a casa de banho com chão de losangos pretos e brancos e tina com pés, o quarto com a janela para uma rua estreita e escura, a sala com uma pele de leão e o piano. 
A certa altura passou a ficar connosco mas sempre com saudades de Lisboa, dos seus amigos e da sua casa. E estava connosco quando morreu do coração.



12 comentários:

  1. Gostei de conhecer a história da sua avó.
    E gostava de saber mais sobre este concurso.
    Um abraço

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  2. Obrigada Elvira
    Vou deixar o linK aqui e irei também indicá-lo no 6ºfeira, o prazo terminava dia 12, mas talvez enviando já algum possa ser ainda aceite

    O link é este: http://dona-redonda.blogspot.pt/2017/05/post-6232-concurso-de-escrita.html
    um beijinho

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  3. Não me apercebi do post, e agora já está fora de prazo.
    Finais felizes, é o que toda a gente pede. Mas de vez em quando eu tenho necessidade de escrever algo diferente. E esta é diferente. Depois voltaremos aos finais felizes.

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    1. Vou tentar continuar a divulgar aqui estas iniciativas :)

      um beijinho

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  4. Ó páh isto das famílias dão histórias bestiais!!
    Gostei da tua ;)

    Bjinhos querida

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  5. Acho que deu para entender que a L.Maria sou eu, a Golimix =)

    Tive que criar aquilo para quem não tem a hipótese de colocar o URL ;)

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    1. Obrigada Lina :) como li os dois comentários de seguida não sei se iria entender que eras tu lendo só o primeiro, mas agora já fico a saber :)

      um beijinho

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  6. Uma belíssima história de família!
    Pneumonia... tuberculose... também tive algumas baixas familiares em tios avós, por contas delas... antigamente tanta gente morria disso...
    Bjs
    Ana

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  7. Infelizmente muitas famílias terão passado por isso-
    Obrigada, Ana
    um beijinho

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  8. uma viagem deliciosa :) gostei, pra lá de muito

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  9. uma viagem deliciosa :) gostei, pra lá de muito

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