Um,
dois, três, fecho os olhos e recuo no tempo.
Paro
no dia em que comecei mesmo a reparar nele. Entrei na lojinha da aldeia em que vivíamos.
Ele estava lá a substituir a mãe, e fez um ar muito atarefado a abanar um
mata-moscas.
Não
resisti a colocar-lhe uma pergunta tonta:
-
O que estás a fazer?
-
A matar moscas, já foram cinco, três machos e duas fêmeas!
-
Mas como é que consegues distingui-las?
-
Fácil, três estavam na garrafa de cerveja e duas no telefone…
Sabia
que ele gostava de mim mas só lhe dei uma oportunidade a seguir àquela piada
pateta de que rimos os dois.
Dez
anos passaram. Namorámos, viemos viver juntos para a cidade, conversámos sobre
casar, fazer a festa, ter filhos… até ao dia em que lhe surgiu um sinal diferente
ao qual devia ter dado importância, e não deu.
Depois,
ele continuou a fazer-me rir, entre tratamentos, internamentos e cirurgia.
Viu-o
emagrecer, perder o cabelo, o apetite e o fôlego, mas não o sorriso que
guardava para mim.
E
eu tentava esconder-lhe o meu medo.
Não
fizemos mais planos para além de hoje ou amanhã. O tempo parou no hoje, no
agora.
Um,
dois, três, regresso ao presente.
Chegou
a vez de ser atendido e entramos os dois para a consulta.
Dou-lhe
a mão enquanto esperamos.
Está
demasiado calor ali, ou eu devia ter tirado o casaco. O seu médico está na sala
ao lado, ouvimos a sua voz, fala com alguém ao telefone.
Entra
com os resultados e de repente tenho frio. Diz-nos para nos sentarmos. Ele
também se senta, poupa os papéis na secretária, olha para nós e diz “está em
remissão.”
Um,
dois, três.
O
tempo volta a correr como antes. Pela primeira vez, choro à sua frente.
Maravilhosa crˆ
ResponderEliminarMaravilhosa crônica! É um texto muito bem composto, onde a simplicidade, criatividade e esmero existem. Curto, mas com começo, meio e fim extraordinários em que tudo diz pouco e o pouco diz tudo em a evidência da mensagem. Mas creio ter entendido e o alívio de uma remissão no sentido de apagar nossos pecados ou expor que estamos livres da moléstia é uma graça de Deus que não entendemos e procuramos buscar explicações racionais. Parabéns! Você escreve muitíssimo bem. Abraço fraterno. Laerte.
ResponderEliminarMuito obrigada Silo Lírico por ter lido e pelas palavras
Eliminarum beijinho
Gábi
Bonito e triste :)
ResponderEliminarBlog LopesCa | Facebook
Mas ele vai ficar bem, LopesCa, não gosto nada de matar os personagens que invento :)
EliminarQue bom!...
ResponderEliminarUm final feliz!...
Adorei o texto! Beijinhos
Ana
Obrigada Ana por teres lido e por comentares :)
ResponderEliminarum beijinho
Gábi