terça-feira, março 21, 2017

Post 6101 - Desafio de Escrita 1/10 Depois

Depois da escola iam os dois para casa (sempre gostou de contar esta história aos filhos e aos netos).
Ele ajudava-a às vezes, segurava-lhe os livros, mas só às vezes, na indiferença fingida do alto dos dois anos de idade que os separavam, e não obstante estar sempre tão ciente de que ela caminhava a seu lado. Ela falava muito, tentava cativá-lo com histórias de colegas e professores. Ouvia a sua voz clara e fina, perdia-se nos sons, e escapava‑lhe o sentido. Lá fora, o sol brilhava mais, afogueava-a nas faces rosa, levava‑a a tirar o casaco e o seu perfume de lavanda rodeava-o. Deixava-a à porta da casa dos pais dela, e continuava, porque a sua ficava um pouco mais longe. Pesavam-lhe os seus passos enquanto se afastava, mas levava com ele o seu perfume e presença.
Não disse à prima que gostava dela, não o admitia para si mesmo, porque eram primos, porque era mais velho dois anos, e naquela altura isso fazia dela uma miúda.
Os tios foram morar longe e deixaram de se ver. 
Passaram-se oito anos mas não a esqueceu.
Soube então que ela ia regressar à cidade para continuar os estudos e a diferença de idade entre eles parecia agora quase nada.
Encarregou-se de ir esperá-la à estação.
Ainda era Verão e estava um dia bonito em que o ar cheirava bem.
Foi para a linha do comboio e viu-o chegar. Das carruagens começaram a sair multidões. Receou perdê-la e pela primeira vez pensou que poderia não a reconhecer, até que a viu. Continuava a ter faces rosadas. Ela também o reconheceu, veio ter com ele e abraçou-o. Voltou a escutar a sua voz clara e fina, a perder-se em estar na sua presença, mas soube quando a olhou, que ia haver um depois.


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