sábado, março 11, 2017

Post 6082 - Desafio de Escrita 10/8 Morrer de Indiferença

Maria de Fátima, vinte e dois anos, não consegue arranjar trabalho, não tem dinheiro para a renda atrasada do quarto, nem amigos que lhe emprestem ou família que a acolha.
Os seus pais foram lavradores sem grande apego aos filhos. A vida dura secava‑lhes os corações.
Ainda mal andava, mandaram-na para a casa da avó Maria e aí pela primeira vez teve colo. Ela fez-lhe uma boneca de trapos e tratava-a por cachopa.
Uma manhã, a avó não acordou. Morreu de velhice.

De regresso a casa dos pais, só parava quando dormia. Ainda não havia luz começava na labuta, na terra e na casa, todo o dia.
O pai foi para fora trabalhar numa quinta. Cedo veio a triste notícia: mandaram-no serrar uma árvore, meio ensonado e mal ensinado, não cuidou para onde caía. Morreu de acidente

Já tinha onze anos, a mãe decidiu que ia servir na cidade.
No primeiro emprego enquanto limpava a casa, lavava a roupa e cosia, fazia companhia à Clara, a filha dos senhores. Uma professora vinha dar-lhe as lições a casa. Fátima também aprendia. Liam as duas os romances de cordel que a cozinheira trazia. Muito branca e magra, Clara nunca saía de casa. Sempre cansada, queria esconder da mãe a roupa suja do sangue que tossia. Saiu por fim de casa mas para o Sanatório e não voltou mais. Morreu de doença, tísica.

Novos patrões: a senhora, ríspida e ciumenta e o marido que de dia ignorava-a, de noite visitava-a. Deixou de vir, quando lhe vieram as primeiras regras.
Pela dor e vergonha que sentira nunca quis namorados.
Passou os anos a limpar as casas dos outros.
Adoeceu e perdeu o emprego.
Com os últimos tostões comprou lixívia.
Sabia que a ninguém fazia falta, ninguém sequer a conhecia.
Morreu da indiferença em agonia.



2 comentários:

  1. Morrer de Indiferença... quase parece um prémio para uma vida toda ela marcada pela indiferença... mas existem muitas vidas exactamente assim... marcada pela indiferença...
    Uma história que dá que pensar... pois a luta diária de cada um, também passa por não se tornar indiferente... aos olhos dos demais...
    Beijinhos
    Ana

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  2. Escrevi o texto para um desafio de escrita, mas não gostei muito do que escrevi, prefiro finais felizes e esta minha personagem pouca felicidade parece ter tido.
    um beijinho

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