quinta-feira, julho 07, 2016

Post 5742 Desafio de escrita

Desafio de Escrita no blogue da Fê blue bird, aqui


"Aquele corpo tão falsamente provocante que caminhava para o abismo, era o seu, e ela por mais que tentasse não conseguia aliená-lo.
Detestara-o naquela noite e em todas as outras noites em que o usava. Queria que ele não lhe pertencesse, sentia a maldição que pesava sobre si e desejava ser uma pessoa normal, que se entrega, que recebe, que aceita e nada receia.
Só via falência na sua vida. Não existia nenhuma razão no mundo que a pudesse impedir.
A quem poderia interessar que ela vivesse, que trabalhasse, que amasse. Para quê? Para quem?
A desculpa da euforia permanente produzida pelo álcool era mais razoável, pois conseguia afastar a falta do amor que não conheceu, dos beijos que não deu, dos livros que não leu e da vida que não viveu.
Mas hoje estava sóbria!
Eram precisamente seis horas e dezoito minutos quando ela decidiu o seu destino"


(fotografia de Duarte Sol)

Decidiu que ia morrer.
Tomada a decisão, arrepiava-a poder também falhar a meio e foi por isso que decidiu atirar-se da ponte, que ficava perto. Ainda estava escuro, mas não tardaria que o sol nascesse. Um estranho silêncio antecipava a madrugada. Estacionou o carro num parque perto e começou a caminhar até ao meio da ponte.
Sentia como nunca o ar frio no rosto, como se lhe lavasse a cara e confirmasse que estava certa.
Foi então que o viu. Mesmo no local que ela tinha escolhido, um homem de costas para ela, debruçava-se sobre a protecção, ali onde o rio era mais fundo.
Ele ouviu os seus passos e despertou do seu torpor. Virou-se para ela. Era um homem de meia idade, com cicatrizes de um lado do rosto que ao invés de o desfigurarem, realçavam o azul intenso dos seus olhos e a atraíram.
Subitamente, sem saber porquê, quis salvá-lo.
Lembrou-se das muitas vezes que tinha conseguido reinventar-se, apesar de todos os revezes, nunca antes até àquela hora, tinha pensado em desistir.
Começou a falar com ele. Disse-lhe que tinha frio e passou logo depois para todos os argumentos que conseguia lembrar-se para que ele não se atirasse,  Ele era muito mais forte que ela. Se o resolvesse fazer, não conseguiria impedi-lo.
Percorreu todos os lugares comuns na procura da ideia salvadora, que não conseguia encontrar. Ele só olhava para ela, sem lhe responder, sem que nada no seu rosto ou olhar lhe dissessem que estava sequer a escutá-la.
Até que ele lhe disse: “está mesmo frio. Vamos mas é tomar o pequeno-almoço”.
E foram. Os dois.
 Algum tempo mais tarde, quando já começava a conhecê-lo, a entregar-se, a receber e a aceitar, soube que ele não tinha ido ali para se matar, mas que apenas gostava de olhar para o rio.




11 comentários:

  1. A imaginação dando esperança a quem não a tinha.

    Beijinho Gabi

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    1. E pelo que li estivemos todos a dar um desenvolvimento feliz à história :)
      um beijinho

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  2. Que reviravolta no final!!! Mas teve um final feliz e isso é que interessa...

    Beijinho

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  3. Gostei do teu final, Gábi ! Nota-se que tem "dedo de escritora" e nada a ver com o meu ! :))

    Beijinho

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    1. Eu gostei do teu, da ideia e de como está escrito :)
      Obrigada, Rui :)
      um beijinho

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  4. Obrigado Gábi,
    Primeiro por teres participado e segundo, por dares a este meu pequeno conto um seguimento tão conseguido e positivo.

    Um beijinho grato

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    1. Gostei muito deste desafio, venham mais! e obrigada eu :)
      um beijinho

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  5. muito, muito engenhoso o fim. e tão simples. :)

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