quinta-feira, março 24, 2016

Post 5540 - 03/08 A Promessa

 “-Prometo-te que, quando morrer, te visitarei…tu que não dás o devido valor à existência depois da morte – afiançou ela, com um sorriso nos lábios.
- Ah, sei o que tu queres…matar-me de susto – retorquiu também a rir”.

Maria, não sabia porque é que aquela troca de palavras lhe tinha vindo à ideia. Não foi a última conversa que tiveram e na altura não a tinha impressionado, tinham até rido as duas. E não era que não desse valor à existência depois da morte, parecia-lhe era um pecado falar disso com ligeireza, como o fazia, a sua amiga. 
Tinham ficado anos sem se ver, até que um dia encontrou na rua outra antiga colega que lhe contou a triste notícia: “Soubeste da Yvete? Morreu. Ia a atravessar a rua, sabes como ela era distraída, acho que ia a falar ao telemóvel com alguém, nem se terá apercebido de quando o camião lhe bateu, teve morte imediata, não sofreu”. Será que não? Ou será apenas algo que se diz para que não sofram os que cá ficam? Se tivesse sido assim tão de repente, poderia ela até nem saber que estava morta. Repreendeu-se pela linha de pensamentos que seguia.
Foram as melhores amigas na escola apesar de tão diferentes. Yvete engraçada e popular enquanto ela era mais calada, mas segura. Seria talvez a sua calma que atraíra a amiga tão diferente. Viam-se sem ser na escola. As duas moravam em bairros pobres, mas enquanto a sua família era unida, Yvete crescera sem pai, para tal não podendo contar os sucessivos amigos da mãe que para piorar bebia. Ela sabia da mágoa que escondia com a alegria que mostrava e a tornava tão popular. 
Quando cresceram, também a Yvete, à semelhança da sua mãe, começou a arranjar vários namorados, todos muito diferentes, até que foi embora com um deles.
Maria namorou apenas um e foi com ele que casou e veio morar para a cidade. Parecia ter a vida encaminhada, o marido trabalhava como ajudante de um camionista de longo curso, ela fazia limpezas, e estavam à espera do primeiro filho. 
Chegou a sua hora quando o marido estava em Espanha. Sozinha deu entrada no hospital. A sua mãe vinha a caminho da aldeia mas só chegaria no dia seguinte. 
Deixaram-na na enfermaria onde outras duas parturientes gritavam de dor. Ela não gritava, só sentia que lhe faltavam as forças e perdeu consciência. A certa altura ouviu uma voz e juraria que era a da Yvete “ estou aqui e vou ajudar-te”. Tentou abrir os olhos e responder, mas não conseguiu. Teve uma hemorragia. Contaram-lhe na manhã seguinte quando lhe traziam a filha recém-nascida que se não fosse a sua amiga teria morrido. Tinha sido ela que dera o alerta e chamara a enfermeira. Mas qual amiga? Descreveram-na, “magra, grandes olhos verdes, cabelo com madeixas azuis, e quando falava, enrolava os rr”.
Era a Yvete.

7 comentários:

  1. Muito bonito.

    Uma Páscoa feliz, Gaby.

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    1. Obrigada pelas palavras (um óptimo incentivo para continuar :)
      um beijinho e uma boa semana

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. muito bom. a história prende, tem ritmo a adjectivação é na medida justa...
    Perfeito.

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  3. Muito obrigada Tétisq por teres lido e pelas palavras - fiquei muito feliz com a tua crítica especialmente porque gosto muito de como escreves.
    um beijinho
    Gábi

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