quinta-feira, março 10, 2016

Post 5511 - 03/10 Reencontro

Era uma miúda, com cinco anos a última vez que o viu. A ele e à sua mãe.
Cresceu na casa dos avós com duas fotografias dela. A do casamento, de onde o avô rasgou a figura do noivo e a da 4ª classe. Na primeira, muito pequena para lhe perceber as feições, nem sequer percebia se estava feliz. Na segunda, uma mãe criança que cedo se tornou mais nova do que ela.
Lembra-se das discussões, que a deixavam assustada. E de um dia de sol em que ele a levou com ele para o campo, só os dois. Mostrou-lhe um terreno com água, apanhou e deu-lhe a comer uvas, as mais doces que alguma vez provou.
Na noite em que tudo sucedeu, ela estava a dormir e felizmente não acordou. Os avós vieram buscá-la de manhã e levaram-na para a casa deles. Não foi ao funeral. Mais tarde, foi até à campa, em visitas que diminuíram até à anual em Novembro. Contaram‑lhe do julgamento e da condenação. Nunca foi vê-lo à prisão. Quando ele saiu, emigrou.
Agora passados vinte anos regressou e quer vê-la.
Está velho e doente. E ela sem saber o que fazer, pediu conselho ao marido, às primas e ao Padre. Decidiu que sim. Combinou que se encontrassem na casa onde tinham morado, somente os dois.
Chegou primeiro. Abriu as janelas para espantar o frio húmido que se apossara do espaço.
Sentou-se à mesa onde jantavam os três, na cozinha onde a mãe cozinhava.
Pouco depois ouviu-o chegar anunciado pelos passos pesados e meio arrastados. Menos alto do que recordava, talvez da sua altura. Sentou-se na outra ponta da mesa. Não tinha ainda sessenta anos, mas os seus, eram os olhos mais velhos que alguma vez vira.
Trazia algo para ela.
O seu pai trouxe-lhe uvas.


4 comentários:

  1. Gábi:Um final surpreendente que pode ter várias interpretações.
    Gostei!


    Um beijinho

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    Respostas
    1. Obrigada por teres lido e pelo comentário, fiquei feliz por teres gostado :)
      um beijinho

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