quarta-feira, janeiro 20, 2016

Post 5405

Labirintos da Mente

Está tudo escuro, sei que tenho de mexer-me, levantar-me, alguém está ali e vai fazer-me mal, mas não consigo, os meus membros não me obedecem, não consigo mover as pernas para sair da cama, nem levantar os braços, ou sequer deslocar o corpo, continuo deitada, não consigo sequer gritar, pedir ajuda. São apenas segundos, mas parecem durar uma eternidade, e então acordo. Quase grito, ao recuperar a capacidade de o fazer. Levanto-me e acendo a luz. Vou beber água, vejo o meu rosto no espelho da casa de banho. Percebo que terá sido um pesadelo, mas a incapacidade que senti paira sobre mim. É noite ainda e volto para a cama. Tapo-me com os cobertores. Por me ter levantado, fiquei fria. Assombra-me o que antes senti e demoro a conseguir adormecer.
Tenho a oportunidade de ir até à capital para uma formação. Chego no dia anterior e vou passear antes que escureça. Vejo-me numa parte da cidade em que nunca deverei ter estado antes. Imagino que ao dobrar a esquina, irei ver um prédio rosa. Dou alguns passos, viro à direita, e vejo-o, ao prédio rosa, com um pequeno café na cave e uma loja de retrosaria. Sai de lá um senhor que segura a porta para uma menina sair à sua frente. Cá fora, dá-lhe a mão. Os dois passam por mim e afastam-se. Acredito que há anos vivi esse mesmo momento, mas é impossível. Há anos aquele senhor seria um jovem e a menina não teria sequer nascido.
Já não via o Rafael há alguns anos. Soube que se tinha começado a viver com uma rapariga e que depois se tinham separado. O que se passou entre eles, contou-me ele mais tarde, num final de dia em que nos encontrámos por acaso, mas em que não tínhamos planos para o depois, e fomos jantar juntos. Contou-me como quando conheceu a Sara, primeiro ficou fascinada por ela. Era bonita, engraçada e popular. Pouco a pouco começou a conhecer um seu outro lado de que não gostou. Descobriu-a manipulativa e insegura. Quis deixá-la e ela mostrou-lhe os cortes que fazia a si mesma. Linhas finas e vermelhas em diferentes estados de cicatrização no interior das coxas. Não percebeu como nunca antes tinha reparado neles. Ela disse que ia acusá-lo de os ter feito. Ficou com ela não por acreditar nisso, mas pelo choque que sentiu ao ver o mal que ela fazia a si própria. Um dia conseguiu que ela lhe explicasse porque o fazia e a resposta até parecia simples. Cortava-se para que a dor física aliviasse a dor de alma que a sufocava e lhe era insuportável. Acabou por ser ela a deixá-lo quando se encantou por outro e não voltou a vê-la.
Reencontro um antigo colega de trabalho, começamos a conversar e recordamos o passado. Quando estávamos a trabalhar na mesma empresa, às vezes íamos almoçar com outros colegas ao restaurante Benfica. Lembro-me de nós, mais jovens na altura, de algumas conversas, vejo-nos nas mesas de toalhas com quadrados brancos e azuis. Ele interrompe-me. As toalhas tinham toalhas com quadrados brancos e vermelhos, como havia também várias alusões na decoração ao clube do coração do dono do restaurante. Rejeito primeira essa ideia. Penso depois. O restaurante chamava-se Benfica, não faria sentido que tivesse outras cores que não as deste clube. Vejo de novo o que recordava, tudo continua igual, mas as toalhas nas mesas mudam e passam a ter os quadrados brancos e vermelhos.
Acompanho uma amiga que vai visitar a tia a um Lar. A tia criou-a, mas quando lá chegamos, ela não reconhece sequer a minha amiga. “Sou a Laura, tia, lembra-se de mim?” Não sei se a tia se apercebe da tristeza na pergunta e se é isso que faz com que responda que sim, mas naquele momento sabemos as três que a resposta é não, e essa consciência que partilhamos por instantes, antes da tia esquecer até a pergunta, une-nos. Saio cá para fora com a minha amiga, que está triste e me fala de como antes era a tia, uma mulher inteligente e lutadora, cheia de vida, criou os filhos e depois a sobrinha. O céu está cinzento e o ar frio. Paramos num café para nos aquecermos com um chá. Penso que não quero perder ninguém assim, ser esquecida ou esquecer-me de quem amo, de quem sou.





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