Labirintos da Mente
Está
tudo escuro, sei que tenho de mexer-me, levantar-me, alguém está ali e vai
fazer-me mal, mas não consigo, os meus membros não me obedecem, não consigo
mover as pernas para sair da cama, nem levantar os braços, ou sequer deslocar o
corpo, continuo deitada, não consigo sequer gritar, pedir ajuda. São apenas
segundos, mas parecem durar uma eternidade, e então acordo. Quase grito, ao
recuperar a capacidade de o fazer. Levanto-me e acendo a luz. Vou beber água,
vejo o meu rosto no espelho da casa de banho. Percebo que terá sido um
pesadelo, mas a incapacidade que senti paira sobre mim. É noite ainda e volto
para a cama. Tapo-me com os cobertores. Por me ter levantado, fiquei fria.
Assombra-me o que antes senti e demoro a conseguir adormecer.
Tenho
a oportunidade de ir até à capital para uma formação. Chego no dia anterior e
vou passear antes que escureça. Vejo-me numa parte da cidade em que nunca
deverei ter estado antes. Imagino que ao dobrar a esquina, irei ver um prédio
rosa. Dou alguns passos, viro à direita, e vejo-o, ao prédio rosa, com um
pequeno café na cave e uma loja de retrosaria. Sai de lá um senhor que segura a
porta para uma menina sair à sua frente. Cá fora, dá-lhe a mão. Os dois passam
por mim e afastam-se. Acredito que há anos vivi esse mesmo momento, mas é
impossível. Há anos aquele senhor seria um jovem e a menina não teria sequer
nascido.
Já
não via o Rafael há alguns anos. Soube que se tinha começado a viver com uma
rapariga e que depois se tinham separado. O que se passou entre eles, contou-me
ele mais tarde, num final de dia em que nos encontrámos por acaso, mas em que
não tínhamos planos para o depois, e fomos jantar juntos. Contou-me como quando
conheceu a Sara, primeiro ficou fascinada por ela. Era bonita, engraçada e
popular. Pouco a pouco começou a conhecer um seu outro lado de que não gostou.
Descobriu-a manipulativa e insegura. Quis deixá-la e ela mostrou-lhe os cortes
que fazia a si mesma. Linhas finas e vermelhas em diferentes estados de
cicatrização no interior das coxas. Não percebeu como nunca antes tinha
reparado neles. Ela disse que ia acusá-lo de os ter feito. Ficou com ela não
por acreditar nisso, mas pelo choque que sentiu ao ver o mal que ela fazia a si
própria. Um dia conseguiu que ela lhe explicasse porque o fazia e a resposta
até parecia simples. Cortava-se para que a dor física aliviasse a dor de alma
que a sufocava e lhe era insuportável. Acabou por ser ela a deixá-lo quando se
encantou por outro e não voltou a vê-la.
Reencontro
um antigo colega de trabalho, começamos a conversar e recordamos o passado.
Quando estávamos a trabalhar na mesma empresa, às vezes íamos almoçar com
outros colegas ao restaurante Benfica. Lembro-me de nós, mais jovens na altura,
de algumas conversas, vejo-nos nas mesas de toalhas com quadrados brancos e
azuis. Ele interrompe-me. As toalhas tinham toalhas com quadrados brancos e
vermelhos, como havia também várias alusões na decoração ao clube do coração do
dono do restaurante. Rejeito primeira essa ideia. Penso depois. O restaurante
chamava-se Benfica, não faria sentido que tivesse outras cores que não as deste
clube. Vejo de novo o que recordava, tudo continua igual, mas as toalhas nas
mesas mudam e passam a ter os quadrados brancos e vermelhos.
Acompanho
uma amiga que vai visitar a tia a um Lar. A tia criou-a, mas quando lá
chegamos, ela não reconhece sequer a minha amiga. “Sou a Laura, tia, lembra-se
de mim?” Não sei se a tia se apercebe da tristeza na pergunta e se é isso que
faz com que responda que sim, mas naquele momento sabemos as três que a
resposta é não, e essa consciência que partilhamos por instantes, antes da tia
esquecer até a pergunta, une-nos. Saio cá para fora com a minha amiga, que está
triste e me fala de como antes era a tia, uma mulher inteligente e lutadora,
cheia de vida, criou os filhos e depois a sobrinha. O céu está cinzento e o ar
frio. Paramos num café para nos aquecermos com um chá. Penso que não quero
perder ninguém assim, ser esquecida ou esquecer-me de quem amo, de quem sou.
Gostei de ler :)
ResponderEliminarObrigada LopesCa :)
ResponderEliminarum beijinho