Capricho
e Virtude
Tudo
isso se passou num outro tempo em que as meninas eram virtuosas, iam à Igreja,
aprendiam a obedecer aos pais, depois ao marido, e se deviam dedicar às lides
domésticas e à educação dos filhos, com todo o desvelo.
Eduarda
era muito bonita e tinha também a inteligência para aprender o que era esperado
dela. Cedo se tornou o orgulho dos pais, mas a ela cresceu-lhe a vaidade.
Foi
por capricho que naquela terça-feira ficou para trás e não foi como de costume
com as amigas para casa.
Seguiu
sozinha até à Confeitaria no centro. Abrira recentemente e era muito bem
frequentada, até por grupos de senhoras no chá da tarde ou jovens como ela na
compra de diferentes e tentadores bolos.
Sentou-se
numa mesa perto da janela e pediu o folhado de limão.
Pareceu
depois dedicar-lhe toda a atenção. Com a faca e garfo separou e cortou as lâminas
de massa, açúcar e limão, em pequeninos pedaços, levou-os vagarosamente à boca
e deixou-os derreter.
Sabia
que pela montra era visível lá fora a sua figura sentada, meia de lado. O
cabelo escuro entrançado e preso, a revelar o alvo pescoço e início do seu
peito abraçado pelo vestido amarelo e justo.
Caprichara
ainda mais do que habitualmente na roupa e no penteado.
Naquele
dia, àquela hora, costuma passar por ali o André, explicador de matemática do
seu irmão mais novo e no grupo dos seus conhecidos ou até de desconhecidos, o
único que parecia permanecer completamente indiferente aos seus encantos.
Passava por lá, para levar os croissants encomendados pela sua mãe. Ficara
assim combinado, já que vinha dar a aula e passava pelo centro. Desde que
iniciara as explicações há dois meses, não falhava o encargo e cada
terça-feira, trazia-os sempre.
Ouviu
a porta abrir e pressentiu que seria ele.
Virou
ligeiramente o rosto para o poder olhar directamente e representar estar
surpreendida com aquele encontro.
Era
realmente o André que entrava, mas não vinha sozinho. Com ele entrou também a
Ana Maria.
Um
pouco mais velha que ela e com uma história bem conhecida na vila. Seduzida por
um vendedor de fora, fugiu com ele, da casa dos pais. Regressou meses depois
com barriga e os pais acolheram-na, e mais tarde ao neto, que adoravam.
Não
foi assim tão bem recebida pelo resto das pessoas, sobretudo pelas senhoras de
bem que a maldiziam nas conversas e se calavam quando se aproximava.
Até
a sua mãe lhe disse para não conviver com a Ana Maria, como se se pegasse a má
sorte de ter sido abandonada.
Eduarda
reparou que o André segurava a porta para que ela entrasse e que se olhavam os
dois nos olhos com o enleio que ela queria ver nele, mas dirigido a si.
Por
isso, não reparava nela, porque já estava enamorado, e pela Ana Maria.
O
André viu-a e corou levemente, sem saber bem o que fazer.
Nessa
altura, a Eduarda percebeu que era só a vaidade que a tinha trazido ali. Cumprimentou-os
aos dois, ao André e à Ana Maria, sem falsidade ou hipocrisia, e depois de
pagar o seu folhado de limão, foi-se embora.
Não
comentou com ninguém o encontro, nem quando mais tarde foi tema de conversa que
a Ana Maria tinha voltado a fugir, mas desta vez com o André.
E
a Eduarda começou a compreender o que era realmente ser virtuosa.
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