domingo, maio 17, 2015

Post 4800 Amor Cego (1ª tentativa)

Amor cego

Ela era a menina bonita que preferia ficar em casa. 
No seu lar estavam a avó, a mãe, as quatro tias e cinco irmãs mais velhas. 
O pai emigrara para a Suiça. Voltava no Natal e nas férias. Magro e baixinho, parecia um pouco perdido entre tantas mulheres, meio espantado em reencontrar as filhas, que nasciam e cresciam entre as suas visitas, todas nascidas em Maio, excepto ela, que nasceu em Setembro.
As irmãs eram namoradeiras e gostavam de sair, preocupadas com a ideia de ficarem para tias, como tinha acontecido com as irmãs da mãe. Não que estas se queixassem, mais do que tias, realizaram-se na maternidade com as sobrinhas. A mãe preferia a filha mais-velha, cada uma das tias preferia depois pela ordem as  suas irmãs. Para si, já não tinha sobrado uma tia, mas encontrava carinho em todas.
As irmãs foram assentando com o eleito dos namorados, em casamentos de Agosto.
O pai cada vez mais magro, gastava o subsídio de férias na festa. Levava sucessivamente as filhas de branco pela Igreja enfeitada de flores até ao nervoso futuro genro no fato de Domingo.
Até que chegou um dia que só sobrava ela.
As irmãs casadas, com casas em aldeias vizinhas, já com filhos, os seus sobrinhos, e ela a chegar aos vinte e dois solteira.
No círculo de mulheres, avó, mãe, tias e irmãs, decidiram todas que ela também tinha de casar, de ter a sua casa e filhos.
Contudo, nem na sua aldeia, nem nas que ficavam em redor, restavam moços casadoiros.
A avó, mãe e tias não conseguiam recordar-se de um primo solteiro e bom rapaz. As irmãs também ninguém lembravam, entre antigos pretendentes ou familiares e amigos dos maridos. Parecia que uma sombra levara todos os homens sozinhos e deixara apenas casais muito ou pouco felizes.
Lembrou-se então uma das tias em que recorressem ao pai. Talvez tivesse um colega de trabalho, de preferência português, que quisesse constituir família. Por sorte, surgiu-lhe a grande ideia no Natal e aproveitaram a sua vinda para lhe comunicarem a sua nova missão. Tinha de encontrar marido para a última filha solteira. 
Não pareceu o pai muito entusiasmado, nem se lembrou no momento de ninguém. 
Voltou para a Suíça e a partir dai, em cada carta ou telefonema lhe perguntavam se já tinha encontrado o interessado. 
Perto de Agosto, talvez preocupado com o cerco que o aguardava, encontrou finalmente um pretendente. 
O Pedro, filho do empreiteiro que o contratara, vinte e oito anos, passara por um desgosto com uma suíça que o deixou por outro. Bom rapaz, com o liceu completo e a assumir o negócio do pai. 
Levou-lhe o pai uma fotografia da Olívia, a da comunhão solene, e tinha concordado com este, que a filha era bonita. Não trouxe depois o pai fotografia dele, mas começaram a trocar cartas.
Olivia escrevia as suas, bem compenetrada da sua importância. Pedia conselho às irmãs, escrevia primeiro o rascunho, passava depois para o papel de carta, com a letra bem desenhada. Escrevia sobre a vida na aldeia, os afazeres na casa, as criancices dos sobrinhos.
As cartas dele eram mais raras, mas eram lindas. Ele escrevia sobre sentimentos como um poeta. Parecia-lhe que lia de um livro, embora não ficasse a saber muito, aliás nada, sobre ele. Mas, se lhe respondia, deveria ser porque gostava realmente dela, como declamava nos seus escritos. 
Começou a imaginá-lo. Deveria ser alto e moreno como o herói na gravura de um dos seus livros de romance e como acreditava que o seu nome sugeria. Sensível e culto (afinal tinha o liceu completo) como as suas cartas revelavam. 
Os meses foram passando e sem saber como ou quando, apaixonou-se pelo Pedro que imaginava e nunca tinha visto, nem sequer em fotografia. Já com vinte e três anos, a aproximar-se o Natal, decidiram mãe, avó e tias que o pai tinha de trazer o Pedro nesta visita. 
E que prova de amor da parte dele, passar o Natal longe da família para conhecer a futura noiva. Olivia até emagreceu com a ânsia que o tempo passasse para poder finalmente encontrar-se com o Pedro.
Pelo Natal e como de costume, o pai só podia vir uns dias, aproveitando o fim-de-semana e o feriado.
Viria de carro com um amigo da sua idade de aldeia vizinha, e o Pedro.
Ela, a mãe e as tias passaram o dia a arrumar a casa, a arranjar o quarto onde o Pedro ia ficar, sob a direcção atenta da avó.
Era já noitinha quando chegaram.
Olivia, não sabia se devia correr para a porta, como antes sempre fazia quando o pai chegava, ou aguardar na sala que entrassem. Decidiu ir para a porta quando já lhes ouvia as vozes. Atrás da avó, da mãe e das tias, viu primeiro o pai e ao lado deste, um rapaz alourado, gorducho e baixinho, em vez do Pedro. Só que...como Olivia percebeu logo depois, era o Pedro.
Não queria mostrar a sua decepção, mas queria esconder-se no seu quarto. Abraçou o pai como de costume, cumprimentou o Pedro. Este foi logo cercado pelas mulheres da família. Não lhes deixaram, felizmente, espaço ou tempo para conversarem. 
Foram todos para a cozinha, onde a avó lhes trouxe de cear, pão, queijo e vinho. 
E pouco tempo depois, que lhe pareceu a ela uma eternidade, foram-se deitar. 
Durante a noite sonhou que o Pedro moreno se afogava. Acordou sobressaltada, ainda o sol não nascera e com sede. 
Levantou-se para ir buscar água, não quis acender nenhum candeeiro e levou uma vela. Mais do que em qualquer outro dia reparou nas estranhas sombras que a vela descobria nas paredes e móvel do corredor.
Só ao chegar à cozinha, percebeu que já lá estava alguém, sentado à mesa.
Era o Pedro, levantara-se com fome, a pensar no pão e queijo e talvez também no vinho, que no Inverno aquecia. 
Ele olhou para ela, apanhado com a boca cheia, engoliu, sorriu e disse-lhe baixinho, "estava com fome, Olívia". E talvez por pensar que a ideia dela fosse a mesma, ofereceu-lhe do pão que partira e a fatia de queijo que cortara. 
Olivia pensou que a voz deste Pedro era mais bonita que a voz do Pedro que imaginara. Parecia-lhe sobretudo, real. 
Sem fome, aceitou e comeu o pão e queijo. Conversaram sobre a viagem e sobre a aldeia. 
Quando finalmente se foi deitar, não sonhou mais com o Pedro moreno e dormiu com os anjos.
Nos três dias que se seguiram, entre avó, mãe e tias, conseguiram conversar mais. 
Ele confessou-lhe que tinha copiado as cartas de livros e ela não se importou. 

6 comentários:

  1. Primeira tentativa de quê?
    Gostei de ler. Mas será que ainda há meninas dessas?....

    Beijinhos

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  2. Primeira tentativa de escrever um conto para participar no Concurso/Colectânea que referi em post anterior :)
    Estava a pensar numa menina do tempo da minha avó :)
    um beijinho

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  3. Eu gostei do conto, Gábi. A história é enternecedora e prende a atenção de quem lê. E tem um final feliz. Parabéns!
    Um beijinho

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  4. Obrigada Miss Smile por ter lido e pelas palavras :)
    um beijinho
    Gábi

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