sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Post 4545 "Ei-los que partem!"

"Ei-los que partem!" - 1ª tentativa
No seu tempo, deu o salto. Ainda não tinha vinte anos, deixara a escola com dez anos e a quarta classe antiga. Trabalhou na terra ao lado do pai o suficiente para aceitar que assim mal sobreviviam. Tinha por lá um primo mais velho, o Zé, que mal conhecia, mas era uma referência. Seguiu de boleia até à fronteira e pagou depois a passagem. Primeiro foi trabalhar para as obras. Foi difícil. Passou frio. Não gostava da comida. Sentia falta da família. Demorou a perceber a língua. Esteve ilegal até conseguir um contrato de trabalho assinado. Era esforçado. Os patrões gostavam dele. Subiu até encarregado. Numas férias na terra acertou o casamento com a Maria. Tiveram só um filho, o Pedro. Quando o miúdo tinha dez anos, regressou de vez. O que tinha poupado deu-lhe para comprar a casa, com a venda por baixo. Esses foram os melhores anos da sua vida. Os pais ainda estavam vivos. O dinheiro ia dando para as despesas. Estava com a sua Maria, viam o filho a crescer. Quando o Pedro tinha doze anos foi para o liceu na cidade próxima. Já só vinha a casa ao fim-de-semana. Nessas alturas e nas férias, ajudava-o na loja. Um bom rapaz, que nunca lhes deu problemas. Queriam que fosse para médico. Por as médias estarem tão altas, não conseguiu, mas entrou em enfermagem. Disse-lhes que até gostava mais, era a sua vocação. Ele e a Maria queriam que o filho tivesse um curso, seria uma enxada para a vida. Entretanto, a aldeia ia ficando  mais vazia e o negócio mais fraco. Os seus clientes eram cada vez mais velhos, mais ainda do que ele. Os jovens iam para a cidade ou emigravam. Fechavam-se as casas, que às vezes já só abriam no Verão, outras permaneciam como abandonadas. O negócio ia rendendo menos. Vendeu a terra herdada do pai para continuar a pagar os estudos do filho. Um dos melhores dias da sua vida foi quando o filho terminou o curso. Sentia um orgulho que não lhe cabia no peito. Só falava disso na loja, os vizinhos e clientes até já brincavam com ele. O tempo foi passado. O Pedro tentava, mas não conseguia emprego. Foi alargando a busca, mas nada. A enxada revelava-se afinal inútil. E um dia o filho veio ter com ele para a conversa que não pensara que fossem ter. Conseguira um emprego, mas lá fora. A história repete-se, Pelo menos o filho parte com melhores condições. Já de contrato assinado, bilhete de avião na Ryanair. Numa viagem de duas horas de carro acompanharam-no ao aeroporto. O voo era de noite. Tudo lhes parecia muito confuso, e demasiado rápido. Num momento, o filho estava com eles. No seguinte já partira. Ficaram, ele e a Maria, com a casa vazia e de coração apertado.

4 comentários:

  1. Esperemos que as novas gerações o possam fazer com melhores condições.
    um beijinho e bom fim-de-semana

    ResponderEliminar
  2. Gábi, está muito bom. São ciclos que infelizmente se repetem. (...)"mas, o filho parte em melhores condições", e de facto, assim é! Mas custa sempre. No entanto, também faz bem a estes jovens sentirem "outros ares"!

    ResponderEliminar
  3. Obrigada por leres e pelas palavras desabafosemrodape
    um beijinho
    Gábi

    ResponderEliminar