segunda-feira, outubro 15, 2012

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Segunda (e última?) versão com 824 palavras:

Natal

23 de Dezembro
Jantar de Natal da empresa num restaurante perto, reservado com a antecedência necessária para o dia em que jantares assim se sucedem por todo o lado. Pelo menos neste dia, os restaurantes estão cheios.
Ana, caprichou no vestido, mesmo dizendo para si própria que nada ia suceder, mas bem no fundo tinha uma pequena esperança de que não fosse assim. E o vestido comprado na Mango, a imitar veludo e decotado, nem foi caro. No caminho, apesar das temperaturas baixas, não sentia frio e deixou-se encantar com as iluminações das ruas, como quando era criança e eram as luzes que associava à cidade.
Conseguiu ficar ao pé do Pedro que chegou atrasado. Ela, o Pedro e o Hugo ficaram na ponta da mesa, os mais jovens em idade e nos contratos, mas a certa altura a conversa e as brincadeiras foram-se restringindo mais aos dois. O Pedro provocava‑a, atirando‑lhe migalhas de pão para o vestido e o Hugo optou por se juntar à conversa dos mais velhos, sobre as medidas de austeridade, a crise económica e politica. Para a sobremesa ofereceram fatias de bolo-rei e fizeram-se brindes. No final do jantar, nas despedidas à porta, dividiram-se os que iam para casa dos que falavam em ir tomar um copo. Antes de ter tempo para pensar no que iria fazer, o Pedro segurou a sua mão e soube nesse momento que a partir dali, iria para onde ele fosse.

24 de Dezembro
Frio e chuva. Centros Comerciais cheios de passeantes, alguns com sacos de compras de prendas, parques e acessos cheios de condutores stressados com ar de serem capazes de assassinar quem lhe tente passar à frente.
Pelas 18.00 horas do dia 24, carros e pessoas começam a desaparecer. Encerram as lojas, supermercados e cafés. Um permanece aberto, mas meio vazio. Há quem tenha de ficar a trabalhar: nos hospitais, esquadras e farmácias. Calha mais vezes a má sorte a quem não tem filhos pequenos.
Numa bomba de gasolina, um sem abrigo bebe um café pago com a boa vontade de um último cliente apressado.
Lá fora é noite e parece mais escura porque vazia de gente.
Rui disse aos colegas de trabalho que iria ficar em casa de uma tia da aldeia. A essa tia inventada não teve de dizer nada.
Saiu do trabalho mais cedo, pela tolerância de ponto, que aproveitou para comprar amendoins e um frango do churrasco. Não quis assistir à agitação das últimas compras e foi para casa. Ligou e desligou a televisão porque a agitação no écran de tanta alegria ou animação o deprimia. Aproveitou para tirar a roupa da máquina e passar a ferro a que já estava seca. Aqueceu o frango no micro-ondas e na altura da ceia, cedeu à televisão, mais para o barulho lhe fazer companhia.
Foi-se deitar agarrado a um livro que não lhe interessava ler e com a sorte de estar com sono, adormeceu.

 24 e 25 de Dezembro
O tempo tinha passado a correr. Saiu do emprego apressada, passou pela mercearia onde deixara reservada a penca, correu para casa, mudou de roupa e foi para a cozinha.
O Paulo voltou da casa do colega Duarte, no 3º andar do mesmo prédio e foi ver televisão para o quarto. O Manuel chegou pouco depois com a mãe dele, a sua santa sogra, a Dona Emília. Queria ter tido as coisas um pouco adiantadas, mas não conseguiu, e assim teve de ouvir os palpites da D. Emília, sobre como deveria ter demolhado o bacalhau, cozinhado a aletria, etc. Tentou pensar em que era Natal, em como a sua sogra, viúva há vinte e dois anos, vivia sozinha quase todo o ano, com o único filho, o Manuel, normalmente muito ocupado para ir visitá-la, e conseguiu quase estar só a ouvir, sem responder.
Quando finalmente se sentaram os quatro à mesa já eram nove horas e lembrou-se de pensar que pelo menos faltava pouco para o dia terminar. Durante o jantar, o Manel pouco falava, não querendo desagradar à mãe, nem a ela, evitou manifestar‑se sobre qual das duas cozinharia melhor o bacalhau, as filhoses e a aletria. A D. Emília voltou a contar como era o Natal no seu tempo, revelou que só trouxera uma prenda para o Paulinho, que agradeceu o par de meias enquanto trocava sms com a namorada e protestou estar constipado para não os acompanhar à missa do galo. Foram à missa, cumprimentaram os vizinhos e conhecidos, também da sua idade. Pouco ouviu do sermão, lembrou-se de levar uma dádiva e depois em casa não se esqueceu de trazer o menino Jesus de volta para o presépio. O Manuel foi levar a mãe a casa. Deitou-se tão cansada que nem ouviu quando o Manuel regressou, mas sentiu quando depois de se despir ele se meteu na cama, frio da noite e pesado. Ele virou-se para lhe dar um beijo e disse-lhe: “a tua aletria é melhor”.  

11 comentários:

  1. Um conto interessante...

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  2. Obrigada, Carlos Barbosa de Oliveira :)

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  3. Demorou mas saiu bestial.
    Gostei muito!!
    Bjs

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  4. Deixei um comentário aqui que não ficou!

    Então rezava assim:

    Gostei, Gábi! Foi a menina que o escreveu?

    Espero que este fique!

    Beijinho e boa semana!

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  5. Gostei do conto, gostei do final mas não gosto de aletria! :-))
    O arroz-doce da minha sogra era uma delícia, nunca mais comi nenhum igual...e ela nunca me deu palpites sobre os meus cozinhados! :-))
    Apetece dizer:
    Feliz Natal!

    Abraço

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  6. Mas que bem!
    A prosa é escorreita e lê-se como quem saboreia a aletria.
    :)

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  7. Obrigada Pedro Coimbra :)
    um beijinho



    Ficou sim, Ricardo Meneses, só que na anterior versão que tinha menos 30 ou 40 palavras :)
    Obrigada :) um beijinho e uma boa semana também




    Também gosto de arroz-doce, Rosa dos Ventos, desde que seja doce, pode ser aletria, pode ser arroz, pode ser chocolate, eu gosto :)
    Obrigada :)
    um beijinho




    Gostei muito dessa comparação Jrd :)
    obrigada :)

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  8. Gosto do teu conto (ontem li a versão anterior mas não comentei por falta de palavreado), retrata o Natal pela perspetiva menos alegre, mais crua e, se calhar, mais verdadeira.

    Um beijinho grande.

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