quarta-feira, novembro 05, 2008

A ilha dos corações partidos

Há muitos anos atrás, quando a natureza confiava no homem e facilmente lhe oferecia abrigo e comida, todos apenas se ocupavam na tarefa de ser felizes. Alguns seguiam os seus próprios prazeres, outros resolviam apaixonar-se e viver em função de um outro que podia ser o mesmo ou variar simultânea ou sucessivamente. Havia no entanto uns poucos que afirmavam ter o coração despedaçado. Numa languidez e melancolia pecaminosa ou numa intranquilidade nervosa aborreciam os demais que não os compreendiam. Não percebiam porque não seguiam o seu exemplo e ao invés criavam problemas que não existiam. Foi então resolvido que esses poucos deveriam ser exilados numa ilha que não ficava longe, mas cujo acesso difícil era somente possível em alguns dias do ano, quando o vento acalmava e a maré subia, permitindo que os pequenos barcos que lá tentavam ir, não se despedaçassem nos rochedos. Dito e feito, mal era observado o problema e depois de deixarem passar uns poucos dias para terem a certeza que estava em causa o mal condenado e não uma dor de barriga, eram remetidos para a ilha, sem apelo nem agravo. Esta até então desabitada passou a ser conhecida pela Ilha dos corações partidos. Enquanto as condições não o permitiam, eram os futuros exilados confinados num campo limitado para o seu mal não se propagar ou contagiar qualquer incauto. Ora, não obstante todos os cuidados, o número de afectados aumentava de dia para dia e alguns até pareciam ansiar pela condenação ao exílio. Entre os imunes estavam os mais velhos, mais avisados e experientes. Até que um dia repararam que entre eles já não cresciam crianças. Temeram então o pior e julgaram-se os últimos homens da terra porque os da ilha apenas poderiam ter morrido de inanição. Quando apenas restava um, meio enlouquecido pela solidão, resolveu ir até à Ilha para aí se encontrar com a sua morte. Esperou pelo vento e maré propícios e com dificuldade contornou os rochedos. Eis que quando se aproximava julgou ser vítima de uma alucinação porque ouvia risos. Quando finalmente chegou à praia foi rodeado por crianças, jovens, velhos, homens e mulheres, aparentemente nem infelizes ou felizes, contudo vivos.

9 comentários:

  1. Bom dia!
    Muito bem escrito, um tema fantástico. Estavas inspirada!
    Será uma ponta do véu de algo que esteja a fervilhar no disco rígido do teu computador?
    Um beijinho.

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  2. Adorei este texto! :)
    Espero que o desenvolvas...
    bjs

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  3. Sem sombra de dúvida,o melhor texto que alguma vez li escrito pela Dona-Redonda.

    Muitos Parabéns, pois é esse, sem dúvida, o caminho.

    NB O Norte sempre foi pródigo em dar à luz poetisas e novelistas. Parece que não é desta vez que se concretiza a excepção.

    Um beijo amigo,

    Jorge

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  4. Olá,

    Gosto imenso da tua "ilha dos corações partidos". E acho o fim bem conseguido com a chegada à praia "rodeado por crianças, jovens, velhos, homens e mulheres, aparentemente nem infelizes ou felizes, contudo vivos".

    Parabéns!

    E beijinhos.

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  5. Gostei muito de "A ilha dos corações partidos".
    Acho que deves ter mais escondidos, mas espero que nos dês o prazer de os ler...
    :)

    Beijitos

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  6. Olá Eira-Velha, obrigada pelas tuas palavras :)
    (no disco rígido do computador só tenho documentos de trabalho e fotografias muito más no caso de terem sido tiradas por mim :))
    um beijinho




    Obrigada, Gigi :) Não sei se conseguiria desenvolvê-lo :)talvez um destes dias o experimente :)
    um beijinho



    Obrigada pelas tuas palavras, Jorge, sobretudo porque sei que escreves muito bem
    Gábi



    Obrigada Nandokas :)estava a precisar de um incentivo :)
    um beijinho



    E no final não parece uma má ilha, Luis Eme :)
    um beijnho



    Olá Oris :) ainda bem que gostaste :)
    um beijinho
    Gábi

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